Como é prazeroso comer! Comer obedecendo a um ritual. Primeiro a visão. Engolir com os olhos antes da boca. Em seguida, o olfato se faz presente. E, um cheiro prolongado começa a preparar a degustação. Mas, às vezes nem precisa todo o ritual. Nada melhor que encontrar uma manga caidinha no chão. E, se ela estiver em meio a folhas secas, certamente estará prontinha para o abate. Nada de pensar em higiene. Uma mordida na casca e logo a polpa surge, amarela e doce como um mel. As mordidas se seguem, o caldo escorre boca abaixo num lambuzar de sabor indescritível. Uma lambida nos braços e nas maõs prolongará o prazer. Nem os deuses tiveram tamanho presente.
Continuemos nosso passeio gastronômico. Uma tijela alva expõe nosso próximo pecado. Os graõs amarelos do milho imersos no leite de coco, e como se não bastasse, lá vem a canela polvilhada inundando tudo e todos com seu cheiro marcante. A colher afunda no mungunzá que a boca mal espera para saborear. O paladar se aguça, a saliva transborda na boca numa espera pelo primeiro bocado. Uma após outra, as colheradas vão saciendo a fome de prazer. Logo restará apenas a tijela mais alva que nunca.
E o que dizer dos oitizeiros? Coitados, tão relegados, tão desprezados. Serviam apenas pela sombra. Agora, nem mais. Outras arvores tomaram seus lugares. Afinal, seus frutos de nada serviam. Triste engano! Os oitís são dourados, de pele fina e têm um cheiro característico forte. Ao caírem são ignorados e pisoteados pelos passantes. Na verdade , eles não existem, são invisíveis. Que pena! A fruta é travosa e massenta de sabor inesquecível. Quem comeu um oití, jamais esquecerá.
Passemos a rainha das frutas. A mais exótica: Mangaba. A mangaba é nativa dos tabuleiros nordestinos. São encontradas nas praias. Seu cheiro é inconfundível. De cor amarelo/rosa, quando está no ponto de ser comida, cai. Daí, se dizer " mole como mangaba". Uma procura sob uma mangabeira e o presente aparece. Uma mangaba molinha, perfumada, doce, que mal resiste chegar á boca. Quem nunca comeu uma mangaba é digno de pena. Mas, sempre há tempo. Mas, venham rápido que estão dizimando nossas mangabeiras.
Uma passada nas areias mornas das praias e lá estão os pés de guagirús. Rasteiros, de cor verde escuro e folhagem dura, cobrem a areia como a protegê-la dos ventos fortes. Um olhar mais aguçado distinguirá seus frutos de um vermelho escuro. Os nativos da região saberão o quanto é saboroso um guagirú que fazem a festa da meninada nas praias. Sua polpa é fofa, branca, lembra algodão. Precisa mais?
Certamente todos já se arriscaram a comer algodão-doce. No meu tempo, branco, hoje de cores mil para seduzir. O formato lembra um floco de núvem. O palito que o segura, mal aparece. O lamber, acontece. Doce...doce. A boca não o detém e ele avança nas bochechas, queixo, formando do rosto um doce único. A festa continua até que reste apenas o palito e uma sensação de criança nos toma. Um pedaço do passado acontece no presente.
Passaria livros e livros falando de comida, mas não posso deixar de falar da cajarana. A cajarana é por demais exótica. Amarela, de um sabor doce/azedo indescritível. No seu centro espinhos, sim... espinhos. E quando afundamos os dentes na fruta nos deparamos com os tais espinhos. Nada que nos impeça de contunuar a devorar a fruta.
Sabores, odores plantados exatamente para nos seduzir e nos fazer cometer o pecado da gula.
Santo sabor, santo odor, divina gula.
Que venha o pecado!