OS CASTIÇAIS NAS JANELAS

Quando o charme sutil e fugaz da tarde começa a esmorecer de forma rápida aqui na Suécia, cedendo calmamente seu momento de glória para a penumbra da noite, e as luzes da cidade de Malmo se acendem para iluminar ruas e praças, um inebriante e diferente espetáculo de muita beleza e êxtase para os olhos e a alma também tem início. Uma após outra, as janelas dos apartamentos desvirginam a escuridão das salas, dos quartos e das cozinhas com o brilho repentino de seus enfeites natalinos, os castiçais em forma de vela, as estrelas de várias tonalidades de cores, os abajures e seus diversos formatos, e é como se cada tom colorido, cada luz branda ou intensa, cada janela grande ou pequena, não importa porque o que vale mesmo é a claridade que delas emana, desejasse transmitir uma mensagem qualquer, talvez de amor fraternal, é provável que enseje o Natal, ou quem sabe, apenas e tão-somente queiram exibir algo inexplicável, tácito, silencioso e belo.

Porque nem tudo precisa ser explicado ou dito, pois o indizível por diversas vezes tem mais sentido do que as palavras pronunciadas.

Ouso pensar existir um deslumbrante quê de fantástica e desconhecida magia nessas janelas iluminadas pela candura de seus simbólicos enfeites, e que em todos eles se manifestam, de maneira bastante acentuada e quase vívida, as emoções dos habitantes dos apartamentos, seus mais lindos e deliciosos sonhos, suas mais nítidas e incontroláveis alegrias, suas gigantescas explosões de felicidade, seu ânimo de sorrir de qualquer coisa, ainda que melancólica, sua intimorata garra e vontade de vencer os obstáculos mais difíceis, seus erros e tentativas de acertos até, decerto, seus olhares direcionados a algum ponto da vida que apenas a eles cabe definir, seus inúmeros abraços apertados e carinhosos, suas amáveis horas de prazer na cama, seus afagos familiares, ah! e, sem dúvida, seus gritos de raiva e gargalhadas de bom humor, a maneira feliz e inconsequente de ser deles. Está tudo tão plangente ali, claro como a transparência solar, nítido e exposto, ao menos para mim que, emocionado e em lágrimas, os observo através de suas janelas vibrantes de luz.

Essas janelas, aos milhares, todas devidamente preparadas para receber o negrume noturno e cegá-lo ante o fulgor de seu poder de luzeiro súbito, lembram tanta coisa, trazem e levam tantas lembranças vivas e mortas, cantam em alto e bom tom sem emitir um único som e mais ainda, dançam nos incontáveis andares dos apartamentos da cidade. São iguais a chamas que não queimam porque doces e inertes, cândidas e puras, frágeis e titânicas, grandiosas e singelas, longínquas e próximas pela altura dos edifícios, e no entanto se mostram ternamente lindas, soberanas no estilo e no alcance de seu fulgor, calmas e explosivas, abundantes e simples, chamando a atenção pelo fascínio que deixam transparecer, pelo ternura saltando aos olhos de quem as enxerga, pelo simplicidade ao mesmo tempo sublime e enternecedora, pelo exemplo de desapego pois que são luzes ali expressas somente para que saibam de sua existência e pronto, nada mais, pois não pretendem iluminar o ambiente inteiro, mas só aquele cantinho difuso da janela para onde todos que passam olham e sorriem, sem razão, mas sorriem porque o sorriso é a melhor expressão de concordância da alma humana.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 05/12/2012
Reeditado em 18/09/2021
Código do texto: T4021380
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