A REALEZA DA CALÇADA
Andar pelas ruas de Sampa já foi tarefa bem mais lúdica, mesmo nessa época natalina.
E foi assim que senti dia desses quando, de repente, me perdi num congestionamento do trânsito do centro da cidade, pois embora seja eu paulistana, faz tempo que sinto a minha cidade algo estranha, transformada num perene canteiro de obras sem sinalizações.
Num dado momento, sem GPS, depois que rodei, rodei, rodei...então, embora meio preocupada com a atual violência das ruas, eu resolvi perguntar sobre como sair dali, daquele meu labirinto urbano.
Não sei, tem gente que odeia perguntar, principalmente os homens, porém estou tão acostumada a me perder e a perguntar que já diagnostico, doutamente em segundos, quem vai ou não saber me redirecionar pelo meu conturbado caminho.
É como um feeling "treinado" que me orienta em quem eu devo confiar para continuar a investir minhas fichas rumo a todos os destinos.
Como caí num beco sem saída, olhei para a calçada, avistei alguém ali sentado, abri o vidro do carro e mais uma vez arrisquei perguntar:
"Senhor, por favor, o senhor poderia..."
De repente, ele se levantou do chão, tentou erguer o tronco supinamente e cambaleante me respondeu perguntando:
"Pois não, realeza! Qual é a dúvida que lhe castiga, agora?"
"É que eu..."
"Antes de mais nada, a realeza aceita uma taça de vinho?"-me disse ele segurando uma garrafa de aguardente. E continuou com a voz empastada ...exalando seu hálito característico:
" Eu já sei, percebi que a realeza se perdeu na cidade e eu estou aqui justamente para orientá-la a se reencontar! Para qual sentido da vida tu desejas seguir, realeza?
"Eu só queria saber o nome desta rua...senhor." respondi meio asssustada.
E num desarticulado tom de discurso bem letrado ele continuou.
"Ah, isso depende da época pela qual tu procuras seguir!
Esta rua já teve vários nomes e sobrenomes! De gente da nobreza e de gente assim como eu que já foi realeza!
Por qual nome da rua vossa realeza prefere seguir para voltar no tempo?
Bem, é claro que não demorei nem um segundo para desistir de apostar minhas fichas...naquele meu caminho já um tanto confuso.
Tive a impressão de estar na página do conto " Duas realezas no país das desmaravilhas."
E ele continuou na sua eloquência que chamava demais a minha atenção:
"Mas de qualquer forma, seja prudente por aqui, certo realeza?. Seja por qual for o nome da rua que vossa senhoria optar a seguir, saiba que sempre chegará ao seu destino, nunca fugirá de destino algum! Então , um brinde de vinho ao destino de todos nós, realeza, e vá com Deus!" assim encerrou ele a levantar sua garrafa acima da sua calçada tão tristemente real.
Então o agradeci, levantei o vidro do carro e segui por mais uma rua anônima entre tantas da vida e da cidade... até que, de repente, a sorte me trouxe de volta para casa.
Tudo, sempre tão de repente...
Nota: verídico.