Namorar
NAMORAR
Estava pensando em como as coisas ocorrem em nossas vidas. Parece que tudo é sempre igual: o mesmo céu, as mesmas nuvens, o mesmo cheiro do café, o mesmo gosto do pão ou daquele doce ou fruta preferida.
As nossas sensações e percepção de mundo parecem saturadas e são bem diferentes do universo infantil...
Uma nuvem que assume um desenho diferente, as descobertas de vários aromas e sabores. Quantos sorvetes de casquinha você já devorou até hoje? E nem tem registro do sabor especial, simplesmente devorou o sorvete, mecanicamente... A criança, não... Ela curte cada novo sabor...
Se um inseto entra no seu carro, é só um inseto... Nada tem de especial... E você o expulsa do carro. A criança o observaria minuciosamente porque é algo diferente para ela.
É essa visão mágica do mundo que nos faz falta!
A mesmice do dia-a-dia, a falta de oportunidade para novas descobertas nos escravizam, e a vida se vai solenemente, sem tempo para apreciarmos o que há de novo. Ou então, pelo menos, ludicamente reinventarmos um universo mais prazeroso.
Então, pensando nisso tudo, me faz muito bem saber que você está aí, e é real. E mais do que isso: é uma novidade chegando na minha vida.
Acho que sou um bichinho estranho que entrou no seu carro, e felizmente não fui expulsa...
Lembrei-me de um poema de Manuel Bandeira:
Os Namorados
O rapaz chegou para junto da moça e disse:
- Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
- Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta
listrada?
A moça se lembrava.
- A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura.
- Antônia, você parece uma lagarta listrada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamação.
O rapaz concluiu:
- Antônia, você é engraçada! Parece louca.
(Manuel Bandeira)
Deve ser assim mesmo: namorar é conhecer, ir descobrindo o outro pouco a pouco... De tudo que perdemos de lúdico da nossa infância, restou-nos a ternura de brincar com o jeito um do outro e “fazer a vida parar e, de repente parecer que faz sentido”.