Prove que você não é um robô
Outro dia, fui comentar uma poesia no blog de uma amiga, e, após preenchidos os requisitos básicos, nome, email, e comentário, veio a cereja na torta; “prove que você não é um robô; digite as letras abaixo em ordem.”
Lá fui tentar exibir meu álibi. Pqgyrrs. Pronto, cliquei em enviar comentário. A coisa cambiou rápido e ofereceu novo grupo de caracteres, e mandou tentar de novo. Devo ter esquecido uma maiúscula, pensei; de novo; Gfss5am. Adicionar com... cáspita, outra vez? Mais uma mudança de caracteres e nova tentativa para provar quem sou. Isso se repetiu por cinco vezes.
Aí eu decidi provar que sou humano; fechei a página e mandei a joça se catar; humanos têm saco, porra!
Certo eu queria ter apreciado a poesia, mas, nada que não se possa explicar a ela, à autora.
Já havia esquecido o incidente e explicado por email que não pude comentar, mas, hoje me pus a pensar; nessa sociedade tão tecnológica, onde está o limite entre o humano e o robótico?
Já falei noutro texto sobre ter recebido um convite para o Face, enviado por “mim” mesmo.
Fui interrompido nesse momento, pois tocou o telefone. Parei de escrever e fui atender. Alô! E do outro lado uma tentativa desconexa de dizer uma palavra, um bebê, de uns oito meses, talvez, depois desligou. Será que o engatinhante já sabe ligar e dar trote, ou é um “ser humano” que o está “educando”?
Mas, voltando ao convite do Face, um robô roubou meu endereço de email, e decidiu fazer seu trabalho, aumentar seu número de seguidores, atento aos números, não às pessoas. Coincidiu que a “identidade secreta” que ele adotou foi a minha. Na hora de provar que não era um robô, ele provou o contrário.
Vocês vêm a desfaçatez dessa maquininha de bosta? Primeiro se apresenta como sendo eu, depois, me desafia a provar que eu sou eu mesmo. Claro, ela já deve estar em dúvida, pois, a dúvida é prerrogativa das máquinas...
Tem vezes que ela “corrige” meu texto de modo tal, que tenho que corrigí-la de volta.
Lembro quando comecei no Recanto com minha lógica robótica; cem leituras, mil, dez mil, cada número redondo parecia uma conquista; agora, sequer ligo para o número de leituras diário, mas, folgo ao receber um comentário interessado, de alguém que não apenas leu, mas entendeu a ideia do escrito, e deixou seu parecer.
Sei que é possível, inclusive, criar um sistema de retribuição automática de comentários de modo genérico, mas, que valor tem isso? Eu publico através da máquina, tendo pessoas, como alvo, não números.
Lembro de ter trabalhado num hotel de um argentino no litoral, onde todos os ambientes tinham arranjos de flores de plástico; práticas, pois não careciam regar, nem outros cuidados; mas, passado algum tempo, aquilo parecia um móvel velho, sempre igual, sem graça, sem perfume, sem vida.
No pátio tinha uma onze-horas plantada num vaso quebrado ao meio, que ficou lindo. Todo dia, uma cascata lilás descia pela encosta do meio vaso, até acariciar a grama. Sempre, desabrochando no mesmo horário; onze da manhã.
Um dia, sem mais nem menos, ela começou a desabrochar ao meio-dia. Passado o impacto do primeiro momento é que percebi que tínhamos entrado no horário de verão, e a plantinha não trazia em seu gene, o vírus das convenções humanas.
Não que devamos ser diferentes pelo mero prazer de ser, mas, o lugar comum, as convenções, as frases feitas, são estímulos à preguiça mental, que tolhem nossa autenticidade e criatividade.
Estabeleceu-se arbitrariamente que o “politicamente correto” é necessariamente sábio, temos que falar como a maioria. “quando todos estão pensando o mesmo, ninguém está pensando grande coisa”, acho que foi Nelson Rodrigues que disse isso.
Portanto, se alguma coisa restar desse breve texto, seja um desafio a quem ler, para que tenha horror à plastificação; que calce sua alma com as botas aladas de Hermes, e quando a máquina quiser adotar você, mostre sua rebeldia saudável, prove que você não é um robô...
“O sistema havia enfartado a imaginação das pessoas, corroera a sua criatividade. Elas raramente surpreendiam. Raramente davam presentes em dias inesperados. Raramente reagiam de modo distinto em situações tensas. Raramente libertavam o intelecto para enxergar os fenômenos sociais por outros ângulos. Eram prisioneiras e não sabiam.” ( Augusto Cury )