Desencontro e desencanto
São quinze horas e trinta minutos.
Ela passa três vezes na porta do hotel, sem jeito de entrar. Tem uma valise e uma caixa nas mãos. Sente-se deslocada e acha que todos notam sua presença ali.
Depois da terceira caminhada naquele trecho, toma coragem e entra. Dá nome e endereço falso, tenta apresentar uma calma e segurança que não sente, enquanto o atendente a olha com um meio sorriso, mas anota tudo com ar profissional. Na verdade, ninguém repara nela e só a tentativa de alugar um quarto dizendo que é pra um casal é que causou estranheza. Ela paga de olhos baixos e tentando parecer tranquila. Ele recebe a diária, pigarreia e entrega a chave, enquanto a chama de senhora.
Ela sobe a escada como se estivesse sendo perseguida. Sente-se segura depois que entra no quarto. Fecha a porta com firmeza e só então passa os olhos no cômodo.
Uma cama de casal ocupa o centro do quarto. Um pequeno guarda-roupa fica a um canto. Um aparador tem um espelho oval de moldura ricamente trabalhada que faz as vezes de penteadeira. Todos os móveis são bons e antigos mas já adquiriram um ar de decrepitude e o papel de parede despregando em alguns pontos, só piora. O piso lindo de tábua corrida, está parcialmente coberto por um tapete puído que foi belo num passado distante. No meio de tudo um lustre em opalina rosa pende do teto, trazendo um certo que de elegância e nostalgia que aliada à cabeceira de palhinha ricamente trabalhada da cama, mostram a qualidade que tudo aquilo teve um dia.
Agora é apenas um hotel mal frequentado na parte antiga da cidade.
Vai ao banheiro com peças antigas e enormes, mas desgastadas pelo uso e demodée.
Ela abre a sacola e retira de lá material de limpeza e desodorizadores de ar. Da maleta tira uma colcha bordada e finos lençóis claros de barra colorida, fronhas bordadas, além de um jogo de toalhas com o nome dela.
Prende os cabelos, fica só de sutiã e calcinha, e se passa pra faxina. Uma hora e meia depois o quarto parece outro e exala um cheiro de limpeza. Na borda da pia e na estante ao lado do vaso, há vidros de perfume, vasinhos de flor e duas velas verde claro que desprendem um cheiro de flor de limoeiro.
A cama com a colcha e lençóis parece outra. O tapete foi posto pra fora do quarto e se vê o lindo piso.
No aparador há uma garrafa de champanhe, duas taças e dois jogos de pratos de porcelana com talheres em prata, ao lado de um bolo bonito, e dois pratos cheios de petiscos, bem como dois guardanapos de linho.
Ela se cansou, mas admira o efeito do trabalho e se sente satisfeita. Banha-se, lava os longos cabelos e veste um vestido justo e provocante, faz uma bela maquiagem, calça sapatos altos e passa a monitorar o celular a cada cinco minutos.
...
São dezoito horas e ela sente sono. Talvez o cansaço. Resolve abrir a garrafa de champanhe só pra experimentar, afinal está com sede e não quer pedir nada ali.
…
São vinte horas e nada....
São vinte e duas horas e o telefone não toca. Todas as tentativas dela caíram em caixa postal.
São vinte e três horas, ela esvaziou a garrafa, tem o rímel borrado de lágrimas e sente que precisa dormir. Não tem coragem de sair sozinha e se sente um lixo. Não enfrentaria isso agora.
Deita-se e ainda chorando, cai num sono profundo. Acorda ás sete, olha o celular e não há nenhuma chamada. Liga e novamente a caixa postal.
Levanta-se, retira todos os seus pertences meticulosamente, rearruma as coisas do hotel como estavam, fecha sua sacolo, põe a garrafa no lixo, o bolo na embalagem e sai firme. Veste seu jeans, prende o cabelo num elástico e uns óculos escuros que escondem olhos vermelhos e inchados. Passa pela portaria sem olhar para os lados. Tem um ar jovem e desamparado, mas sente-se madura agora, desafiadora, e sabe que naquela noite morreu a garota boba e iludida.
Já na rua, sente-se tonta, talvez resultado do champanhe, talvez a vergonha.... não sabe. O certo é que anda de pés arrastados, sentindo um cansaço estranho na alma; passa por uma família acampada na rua, uma mulher, uma criança e um bebê pedindo esmolas e cobertos de farrapos. Ela desvia o rosto, e mais adiante, estaca. Olha pra trás e volta. Entrega a sacola e diz que podem ficar com tudo; a mãe olha espantada quando abre e vê tudo aquilo; abre a boca sem saber como agradecer, mas a moça já vai longe, andando leve, como se tivesse criado asas nos pés.
Será que foi mesmo aquela moça que quase voa agora que lhe entregou essa sacola? Parece outra pessoa. Ela não pôde agradecer, então roga bênçãos pra moça, enquanto dá do bolo para o menino e usa a colcha pra proteger o menor da friagem que sopra na rua aquela hora, neste outono.