HISTÓRIAS DE CORRETOR
( TIO NAGIB )
O senhor Nagib era o proprietário de um imóvel no Planalto Paulista que, apesar da excelente localização, estava a venda havia um bom tempo. Cada vez que surgia um interessado não se conseguia chegar além de um primeiro contato, pois ele não queria ceder no preço, aliás, muito pelo contrário, ele aumentava o valor alegando que tinha uma dívida em dólares, que evidentemente, crescia assustadoramente além da real valorização do imóvel e ele queria repassar para o comprador o seu pequeno grande problema. No entanto, ele não dava muita explicação, dizia que era uma operação de leasing, e enrolava, desconversava.
Finalmente tivemos uma proposta concreta, muito próxima do que ele estava pedindo, o comprador, senhor Carlos daria R$90.000,00 como sinal e princípio de pagamento, na apresentação das certidões e outorga da escritura daria mais R$ 60.000,00, um apartamento no Itaim no valor de R$130.000,00, e um automóvel no valor de R$20.000,00, totalizando R$300.000,00. Por cautela, já que o comprador estava propondo um sinal muito alto, reduzi o valor para R$30.000,00, sendo que desta importância já sairia o valor da comissão.
Na reunião de fechamento o senhor Nagib veio acompanhado da esposa, dona Eunice, e nos apresentou uma cópia da escritura que precisava ser atualizada, e explicou que, por um documento particular havia dado o imóvel em garantia de um empréstimo mas que não haveria nenhum empecilho para fechar a negociação, se comprometendo a apresentar toda a documentação de praxe, e a resolver o seu problema com o senhor Paulo, seu credor.
Enquanto aguardávamos a chegada do senhor Carlos, fiquei conversando com dona Eunice que me confessou longe do marido, que precisavam urgentemente vender aquele imóvel, eles estavam morando na Rua Dom Henrique, no Jardim Luzitânia e eu fiquei pasmo quando aquela elegante senhora me disse quase com lágrimas nos olhos, “Tem dia que eu não tenho dinheiro para fazer a feira, o senhor acha que isso é vida, na minha idade?
Com a chegada do comprador e a esposa, passamos a tratar dos últimos detalhes, O senhor Nagib aceitaria todas as condições propostas, mas queria mais R$30.000,00, que ele mesmo sugeriu que fossem pagos em trinta parcelas iguais de R$1.000,00 cada uma, sem juros e sem qualquer tipo de acréscimo ou correção. A transação foi fechada sem maiores problemas.
Dias depois o despachante nos apresentou as certidões atualizadas e veio a surpresa, o contrato particular que o senhor Nagib dissera ter assinado, na verdade era uma escritura pública de venda e compra, devidamente registrada. Convoquei o vendedor imediatamente ao escritório e conclui que na realidade ele não havia agido de má fé, ele nem sabia direito o que havia assinado, mas continuou afirmando que não haveria nenhum problema e nos colocou em contato com o advogado do seu credor, alias, legalmente o verdadeiro dono do imóvel.
Ficou então acertado que faríamos uma escritura de venda e compra da casa para o senhor Carlos, e este outorgaria diretamente ao senhor Paulo a escritura do apartamento que estava dando como parte do pagamento, o qual seria a nova garantia da dívida do senhor Nagib. No dia aprazado o senhor Paulo, muito elegante, era dono de uma rede de lojas de moda masculina, educado, não teria mais do que trinta e cinco anos, esbanjando cordialidade, a fala mansa, envolvente, chegou acompanhado de seu advogado e cumprimentou efusivamente o senhor Nagib, a quem chamava falsa e carinhosamente de Tio Nagib, não faltou nem o fraternal beijo no rosto.
Foram feitas as devidas apresentações, o comprador não entendendo muito o que estava acontecendo,eu lhe havia dito apenas o que lhe interessava, que ele estava fazendo uma transação sem qualquer risco, isto é o que contava. O advogado, o senhor Paulo e o Tio Nagib, fizeram várias contas, inclusive somando a elas o valor das despesas da escritura do apartamento, em resumo, o Tio Nagib
ficaria tão somente com o valor do sinal que havia recebido, o carro dado como parte do pagamento, e as trinta parcelas, e continuaria a dever favor e dinheiro ao senhor Paulo.
O escrevente começou a ler a escritura, eu estava sentado ao lado de dona Eunice, e gelei quando a ouvi dizer ao marido, em voz bem baixa, mas com firmeza: Ëu não vou assinar ! . Foi então que eu percebi que nem mesmo a esposa do Tio Nagib sabia ao certo o tamanho do pepino em que estavam metidos, quando ela se deu conta foi que o bicho pegou. O escrevente fazendo a leitura, ninguém mais havia percebido a situação apesar do enorme nervosismo e constrangimento que tomou conta do Tio Nagib, que muito educadamente, pediu desculpas interrompendo a leitura e pediu para conversar em particular com o advogado e o senhor Paulo.
Conduzi então os compradores e o escrevente, que continuavam sem entender nada, para uma outra sala, providenciei para que servissem água e café e ficamos na expectativa. Aleguei que havia ainda uma pendência de ordem particular que o Tio Nagib precisava resolver. Naquela altura do campeonato comecei a me preocupar pois, se a venda abrisse eu tinha a absoluta certeza de que o Tio Nagib não teria condições de devolver nenhum centavo do sinal que havia recebido, e nos teríamos um enorme problema.
Após uns vinte minutos a conversa finalmente terminou e voltamos todos para a sala novamente, o senhor Paulo iria liberar um pouco mais de dinheiro para o Tio Nagib, ou seja daria mais um pedaço de corda para o pescoço do coitado. O escrevente concluiu a leitura, tudo foi assinado como manda o figurino. E é claro que o senhor Paulo já nos deixou o apartamento recém adquirido, para venda. Aliás ele tinha muitos outros imóveis a venda, com certeza obtidos nas mesmas condições.
Na verdade ele não era um investidor do mercado imobiliário, era apenas mais um agiota, explorando impiedosamente incautos necessitados, aplicando seu dinheiro a juros exorbitantes, com garantia dos imóveis dos desafortunados. Apenas mais uma prova inconteste da desigualdade que assola o nosso país das maravilhas!
PROJETO CULTURAL
DIGITAL VÍDEO BOOK
antonio carlos de paula
poeta e compositor
( TIO NAGIB )
O senhor Nagib era o proprietário de um imóvel no Planalto Paulista que, apesar da excelente localização, estava a venda havia um bom tempo. Cada vez que surgia um interessado não se conseguia chegar além de um primeiro contato, pois ele não queria ceder no preço, aliás, muito pelo contrário, ele aumentava o valor alegando que tinha uma dívida em dólares, que evidentemente, crescia assustadoramente além da real valorização do imóvel e ele queria repassar para o comprador o seu pequeno grande problema. No entanto, ele não dava muita explicação, dizia que era uma operação de leasing, e enrolava, desconversava.
Finalmente tivemos uma proposta concreta, muito próxima do que ele estava pedindo, o comprador, senhor Carlos daria R$90.000,00 como sinal e princípio de pagamento, na apresentação das certidões e outorga da escritura daria mais R$ 60.000,00, um apartamento no Itaim no valor de R$130.000,00, e um automóvel no valor de R$20.000,00, totalizando R$300.000,00. Por cautela, já que o comprador estava propondo um sinal muito alto, reduzi o valor para R$30.000,00, sendo que desta importância já sairia o valor da comissão.
Na reunião de fechamento o senhor Nagib veio acompanhado da esposa, dona Eunice, e nos apresentou uma cópia da escritura que precisava ser atualizada, e explicou que, por um documento particular havia dado o imóvel em garantia de um empréstimo mas que não haveria nenhum empecilho para fechar a negociação, se comprometendo a apresentar toda a documentação de praxe, e a resolver o seu problema com o senhor Paulo, seu credor.
Enquanto aguardávamos a chegada do senhor Carlos, fiquei conversando com dona Eunice que me confessou longe do marido, que precisavam urgentemente vender aquele imóvel, eles estavam morando na Rua Dom Henrique, no Jardim Luzitânia e eu fiquei pasmo quando aquela elegante senhora me disse quase com lágrimas nos olhos, “Tem dia que eu não tenho dinheiro para fazer a feira, o senhor acha que isso é vida, na minha idade?
Com a chegada do comprador e a esposa, passamos a tratar dos últimos detalhes, O senhor Nagib aceitaria todas as condições propostas, mas queria mais R$30.000,00, que ele mesmo sugeriu que fossem pagos em trinta parcelas iguais de R$1.000,00 cada uma, sem juros e sem qualquer tipo de acréscimo ou correção. A transação foi fechada sem maiores problemas.
Dias depois o despachante nos apresentou as certidões atualizadas e veio a surpresa, o contrato particular que o senhor Nagib dissera ter assinado, na verdade era uma escritura pública de venda e compra, devidamente registrada. Convoquei o vendedor imediatamente ao escritório e conclui que na realidade ele não havia agido de má fé, ele nem sabia direito o que havia assinado, mas continuou afirmando que não haveria nenhum problema e nos colocou em contato com o advogado do seu credor, alias, legalmente o verdadeiro dono do imóvel.
Ficou então acertado que faríamos uma escritura de venda e compra da casa para o senhor Carlos, e este outorgaria diretamente ao senhor Paulo a escritura do apartamento que estava dando como parte do pagamento, o qual seria a nova garantia da dívida do senhor Nagib. No dia aprazado o senhor Paulo, muito elegante, era dono de uma rede de lojas de moda masculina, educado, não teria mais do que trinta e cinco anos, esbanjando cordialidade, a fala mansa, envolvente, chegou acompanhado de seu advogado e cumprimentou efusivamente o senhor Nagib, a quem chamava falsa e carinhosamente de Tio Nagib, não faltou nem o fraternal beijo no rosto.
Foram feitas as devidas apresentações, o comprador não entendendo muito o que estava acontecendo,eu lhe havia dito apenas o que lhe interessava, que ele estava fazendo uma transação sem qualquer risco, isto é o que contava. O advogado, o senhor Paulo e o Tio Nagib, fizeram várias contas, inclusive somando a elas o valor das despesas da escritura do apartamento, em resumo, o Tio Nagib
ficaria tão somente com o valor do sinal que havia recebido, o carro dado como parte do pagamento, e as trinta parcelas, e continuaria a dever favor e dinheiro ao senhor Paulo.
O escrevente começou a ler a escritura, eu estava sentado ao lado de dona Eunice, e gelei quando a ouvi dizer ao marido, em voz bem baixa, mas com firmeza: Ëu não vou assinar ! . Foi então que eu percebi que nem mesmo a esposa do Tio Nagib sabia ao certo o tamanho do pepino em que estavam metidos, quando ela se deu conta foi que o bicho pegou. O escrevente fazendo a leitura, ninguém mais havia percebido a situação apesar do enorme nervosismo e constrangimento que tomou conta do Tio Nagib, que muito educadamente, pediu desculpas interrompendo a leitura e pediu para conversar em particular com o advogado e o senhor Paulo.
Conduzi então os compradores e o escrevente, que continuavam sem entender nada, para uma outra sala, providenciei para que servissem água e café e ficamos na expectativa. Aleguei que havia ainda uma pendência de ordem particular que o Tio Nagib precisava resolver. Naquela altura do campeonato comecei a me preocupar pois, se a venda abrisse eu tinha a absoluta certeza de que o Tio Nagib não teria condições de devolver nenhum centavo do sinal que havia recebido, e nos teríamos um enorme problema.
Após uns vinte minutos a conversa finalmente terminou e voltamos todos para a sala novamente, o senhor Paulo iria liberar um pouco mais de dinheiro para o Tio Nagib, ou seja daria mais um pedaço de corda para o pescoço do coitado. O escrevente concluiu a leitura, tudo foi assinado como manda o figurino. E é claro que o senhor Paulo já nos deixou o apartamento recém adquirido, para venda. Aliás ele tinha muitos outros imóveis a venda, com certeza obtidos nas mesmas condições.
Na verdade ele não era um investidor do mercado imobiliário, era apenas mais um agiota, explorando impiedosamente incautos necessitados, aplicando seu dinheiro a juros exorbitantes, com garantia dos imóveis dos desafortunados. Apenas mais uma prova inconteste da desigualdade que assola o nosso país das maravilhas!
PROJETO CULTURAL
DIGITAL VÍDEO BOOK
antonio carlos de paula
poeta e compositor