A Face Chata do Facebook

Um dia desses escrevi no facebook que esta rede social se tornara a maior hipocrisia virtual já inventada. Ato contínuo, fui criticado, mas muito mais elogiado pela afirmação. Muita gente concordou comigo. Engraçado é que muitos destes simpatizantes já compartilharam muita hipocrisia virtual.

Ser hipócrita no facebook é fazer com que todos os seus seguidores o vejam como uma pessoa perfeita, reta, íntegra, e nem todo mundo é assim, convenhamos! Perfeito ninguém é! Reto e íntegro eu conto nos dedos. Talvez das mãos. Talvez numa só. Mas na rede social a perfeição impera.

Todos, sem exceção, postam os bons mandamentos da vida cotidiana, os bons costumes da convivência, do amor ao próximo, de ser o “boa praça”. Criticam a falta de ética alheia de forma implacável. Tem-se nítida impressão que os errados são todos os excluídos digitais porque cometem os mesmos pequenos deslizes cotidianos, mas não estão online se defendendo. Por exemplo, há um carro estacionado numa vaga de deficiente. Pronto. Chega alguém “plugado”, tira uma foto do celular e já posta automaticamente. Chove de compartilhamentos e críticas.

O alcance chega à casa dos milhares, dependendo da situação. E dou a cara a tapa se uma parcela significante de quem curtiu ou compartilhou aquilo já não parou seu carro em local proibido. É a hipocrisia no seu sentido mais puro!

Nunca vi alguém postar algo como: “a secretária lá de casa há 2 meses não recebe porque estou meio duro(a) esses dias”. Ou “bati meu carro ontem, e eu estava completamente errado”. São falhas e imperfeições do nosso dia-a-dia que podem ser creditadas à vida de qualquer mortal. E são postadas lá? Obviamente não, e até aceito o argumento de que essas “roupas sujas” devem ser lavadas apenas em casa.

Mas porque os louros sem importância e os fatos completamente irrelevantes são publicados a todo instante? Porque dizer a cada minuto que você está na pizzaria com mais 4 outras pessoas? É um aviso pro ladrão invadir sua casa? Ou para seus credores saberem onde te achar mais facilmente?

O excesso de compartilhamento de imagens é outro problema. O uso desmedido fez rapidamente o tiro sair pela culatra, e todo mundo compartilha tudo. Inclusive eu. E inclusive você, que está lendo isso. Dizem as más línguas que Sr. Zuckerberg já detectou esse comportamento orkutizado dos brasileiros e fez lá suas críticas. Acho que não, ele não perderia tempo com isso, tem ações aos borbotões nas bolsas de valores pra ocupar seu tempo.

Eu, particularmente, gosto das imagens com piadas curtas e eficientes. Chego a compartilhar algumas. Sei que estarei incomodando um ou outro. Mas a crítica deste texto se aplica também a mim. O difícil é ver a mesma imagem sendo compartilhada por 20, 30 pessoas, hoje, amanhã e semana que vem. Aí a coisa fica ruim, quase intragável.

Outro fenômeno interessante – e não menos incômodo – são as citações onipresentes de Caio Fernando Abreu e similares. As frases são boas, em sua maioria, mas há dois problemas aqui. Primeiramente, não há qualquer garantia de que as frases sejam de quem as legendas dizem que são. Ocorre na internet o que eu costumo chamar de Plágio ao Contrário: um anônimo cria uma frasezinha de efeito, e, para que ela tenha peso e seja compartilhada, atribui-se a autoria a um famoso que nunca sonhou em produzir aquilo (Glorinha Kalil e Luís Fernando Veríssimo que o digam).

A moda pega e todos criam, compartilham, curtem e a vida virtual segue. O outro problema é, de novo, a hipocrisia. As frases são um banho de otimismo, de auto-ajuda, de levantamento agudo de auto-estima. Você, que posta isso sem parar, está tão feliz assim? Sua doutrina de vida é sempre tão otimista? Consegue com tanta desenvoltura sair de situações íntimas difíceis?

E, pra finalizar as alfinetadas, você sabe realmente quem foi Caio Fernando Abreu? Sabe o quanto esse cara sofreu na vida por ser homossexual e namorar Cazuza, que não era flor que se cheirasse? Garanto que a maioria não sabe. Ele próprio foi um grandessíssimo hipócrita: em muitos momentos, suas frases não condiziam com sua vida amorosa.

Agora, o pior de todo o lixo facebookiano são as enganações. Um monte de gente acredita piamente que compartilhar uma imagem vai ajudar uma criança com câncer ou raquítica. Isso é a mais absurda ignorância. Já vi empresários de nossa cidade compartilhando fotos assim: uma criança com um tumor imenso na cabeça e a legenda enganosa avisando: o facebook doará U$ 0,05 por cada compartilhamento recebido. É muita tolice achar que uma ação longínqua dessas irá resolver um problema tão grave.

Costumo dizer que a vida na internet é inegavelmente igual à vida real. Existem riscos, coisas boas, coisas ruins, chatices, alegrias, congraçamentos, besteiras, crimes. Cabe a cada um ter bom senso. Na dúvida, nunca clique em “Enviar”. Refugue. Depois, entre no Google e procure as regras de etiqueta para o bom convívio no facebook. Eu já li esse guia, e realmente foi feito com muito bom senso e muita clareza. É uma pena que não tenha sido escrito pela Glorinha Kalil, como afirma a legenda. E dêem-me licença agora porque comecei a redigir esse texto há 10 minutos e preciso voltar rapidamente pro face.

Alessandro Cardoso
Enviado por Alessandro Cardoso em 03/12/2012
Reeditado em 03/12/2012
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