Novela latina – não nacional.

Nada contra as novelas. As tramas são muito bem trabalhadas, exite uma riqueza enorme de detalhes e segredos a desvendar na vida dos heróis, e as cenas de amor/sexo são bem lights, evitando muitos exageros das novelas nacionais.

Sem dúvida, elas têm público, inclusive na minha casa, mas o que torna tais novelas sui generis é o excesso de clichê.

Não assisto nenhuma e nem as nacionais, mas reconheço que estas são a cara do Brasil. Tem de tudo, mas traduzem a cultura, a feição, os tipos caracteristicos. Funciona como um retrato, salvo pequenos distorções ou exageros, naturais em qualquer obra de ficção.

Nas novelas mexicanas entretanto há coisas inimagináveis e eu me pergunto se isso de alguma forma traduz a cultura, os hábitos, o pensar desses povos. Vejamos.

O personagem principal masculino (herói) só vive de terno, mesmo dentro de casa. É riquissimo, fala como um locutor de rádio, geralmente tem um solar de arquitetura colonial hispânica e uma família com uma mãe poderosa. Haja Freud. Seu nome em 99% das vezes é composto de forma que os dois não casam entre si. Algo como Rodolfo Gustavo, Danilo Godofredo, Robério Leonardo. Excesso de afirmação, nomes de per si tão afirmativos que juntos se tornam absurdos quase impronunciáveis.

As mocinhas são lindas, pobres, ingênuas, tem um terrível segredo de família a esconder, além de serem órfãs ou criadas por freiras bondosas.

As mães, matriarcas poderosas e ricas são quase sempre terríveis e traduzem a verdadeira Jocasta com um toque de Medéia.

Há amigos de inclinação sexual dúbia, sempre com trejeitos caricatos e guarda-roupas que só combinaria com uma ópera bufa. São absurdos.

A maquiagem é quase um personagem à parte. Os homens são maquiados que se vê de longe o brilho, a sobrancelha delineada e o pó compacto. As mulheres, ah, essas são um capítulo à parte. Só a maquiagem delas já faz todo o cenário e quiçá o diálogo, pois são tão carregadas e teatrais que passam a personalidade do personagem inteira. Os cabelos, meu Deus, ainda se usa fixador, ui!, por lá. Cabe um ninho de rato inteiro sob cada penteado matronal. E nas jovens, o clássico Chanel é tão desvirtuado que se esta visse, levantaria da cova com essa releitura.

Os diálogos, ah, os diálogos. São frases empoladas, cheias de expressões jamais usadas no dia-a-dia por qualquer pessoa que esteja se declarando ou discutindo, ou contando um segredo - que são a tônica das novelas. Jamais advogaria a causa de falar errado, ou gírias ou assassinar o português, mas coloquialmente, sem erros gramaticais é uma coisa, e outra é falar como se estivesse declamando uma peça de Shakespeare. É tudo tão empolado, tão teatral, tão cheio de pausas artificias e mesclado de interjeições e vocativos que soa artificial pra qualquer ouvido.

A carga dramática que envolve as historias é inversamente proporcional aos fatos e diretamente proporcional aos baldes de lágrimas que são derramados pela mocinha e sua babá ou ama-de-leite (sim, isso ainda existe lá), ou alguma amiga.

Basta passar defronte da televisão dez minutos, que se fica boquiaberto com a dramaticidade, teatralidade, absurdo dos nomes, diálogos inverossímeis e excessos de make-up.

Claro que tem quem goste, mas soa absolutamente artificial. E é aí que faço uma analogia com as nacionais e me pergunto: isso traduz hábitos, vida deles mesmo ou é só obra de ficção em que qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência?