SANDÁLIAS E SANGUE

Moti é um adolescente que vive no Nepal, mora com sua família, pai, mãe e três irmãos menores em uma casa emprestada por sua tia, entre as rochas do Himalaia. Como qualquer adolescente, Moti também sonha em ser um homem bem sucedido e respeitado. A maioria dos meninos que vivem na mesma situação de Moti sai da comunidade, entre as rochas, e vão para cidades onde possam encontrar estrutura para estudar e prosseguir.

O pai de Moti é colhedor de mel, uma tradicional tarefa que seus antepassados faziam e que é visto com respeito por todos da comunidade. A dificuldade em realizar a colheita dá a quem faz notoriedade e admiração. Para chegar até às colmeias, nos penhascos do Himalaia, ficam suspensos em frágeis escadas de bambu, arriscando suas vidas, além de enfrentar as abelhas gigantes e selvagens, a maior espécie do mundo. Depois de colhido, o mel é distribuído igualmente entre todos, ficando com uma porção a mais os que arriscaram a vida.

Moti foi pela primeira vez com os homens para colher o líquido dourado, o mel. A sua expectativa era grande, do tamanho de sua coragem. Ele sabe que será considerado um homem como seu pai e isso o deixa muito orgulhoso. Moti é um adolescente que não bate a porta do quarto quando os pais não compram o iPhone ou o último livro do Harry Potter; apesar de conhecer os “tesouros” do ocidente, ele escolheu dar continuidade a tradição e viver nas montanhas.

Eu penso em como precisamos dos valores de Moti, da sua coragem, determinação e respeito pela história. Moti é um verdadeiro homem, um patriota autêntico, possui as qualidades que falta aos que são alçados pela mídia na condição de exemplo a serem seguidos. As simples orientações que recebeu, ser ele mesmo, foram suficientes. Essa é a maior dificuldade que temos, a manutenção da nossa identidade, nos perdemos em meio aos apelos e acabamos pegando atalhos “montanhosos”, onde não há abelhas, mas cobras, que nos afasta do caminho por onde deveríamos estar seguindo.

Moti é diferente daqueles playboys que atropelam e matam trabalhadores à beira das rodovias, que não dão o menor valor à vida dos outros, não respeitam a dor da perda de uma família. Ficar pendurado em uma corda feita de bambu, na extraordinária beleza da Cordilheira do Himalaia para colher mel é uma aventura muito maior e menos perigosa do que “voar” com uma McLaren deixando rastros de sandálias e sangue no asfalto.

Ricardo Mezavila

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 03/12/2012
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