Diário de Sonhos - #018: Grito em Primeira Pessoa
Eu não sei o que aconteceu comigo. Meus sonhos estão saindo do controle. Antes costumavam ser bons, um refúgio do mundo. Mas agora eles me machucam cada vez mais, sonho coisas apavorantes. Imagens que minha mente cria só pra me torturar, um jogo sadístico contra mim mesmo. Doi quando estou acordado, doi ainda mais quando sonho. Desperto ou adormecido, tudo tem sido dor e dor e mais dor. Meu deus como eu queria morrer! Sonho principalmente com pessoas e coisas que eu queria esquecer. Hoje sonhei com meu pai de novo.
Eu sonhei...
Esse sonho não teve som, a não ser em um momento. Sonhei que estava de volta aos tempos de escola. Era noite, chovia e relampejava muito. Eu estava dentro da kombi da Tia Maria, a mulher que me levava e trazia da escola (nos primeiros anos ela usava uma kombi, mas aí passou pra uma van escolar). Eu estava sentado. Passamos por várias ruas até pararmos na porta de casa, só que do outro lado da rua. Não havia carros ou pessoas. O portão da garagem estava escancarado, e lá dentro tudo muito escuro. Fui entrando devagar. A kombi ficava parada lá do outro lado da rua. Adentrei a escuridão, sempre andando muito devagar. Um vulto saltou das sombras e me agarrou.
Estou parado na frente da minha casa. Tenho medo de entrar pois sei que tem um vulto ali pronto pra pular em mim. Decido voltar pra kombi da Tia Maria. Assim que viro, uma imagem horripilante e o único som do meu sonho. Uma grande cabeça aparece na minha frente como se fosse um primeiro plano (ou close) de um filme. Ela está toda preto e branca e possui uma expressão colérica, puro ódio. Ela grita alguma coisa que eu não lembro mais o que foi.
Agora estou numa espécie de escombros de uma construção ou casa. Acho que é tipo uma casa de madeira destruída pelo tempo, sei lá. Tem árvores e mato em volta. Está tudo em preto e branco. Logo à minha frente, numa coluna de sustenção que resistiu à ruína, estão três corpos enforcados, pendendo sem vida. Dois deles estão virados pro outro lado. O do meio está virado pra mim. É meu pai. Seu corpo pende mole, mas sua cabeça está rígida, com os olhos fixos em mim. Olhos horríveis, totalmente brancos, tão brancos que me doi olhar. Sua boca está aberta, como um grito de dor ou medo congelado no tempo. Os corpos balançam um pouco, girando levemente. Mas os olhos de meu pai estão sobre mim, não importa a posição do corpo dele. Ele me vigiava e eu tinha medo de encarar, mas não conseguia resistir seu olhar. Era horrível, triste e cruel ao mesmo tempo. Não conseguia olhar mas também não conseguia evitar.
E então, por todos os deuses do mundo, eu acordei agradecido por isso ter acabado. Mais uma imagem dos meus sonhos que ficou fixa na minha mente. Eu queria poder apagar essas coisas com uma borracha porque tenho medo de voltar a vê-las.
Se estou ficando louco ou já estou, que estes textos sirvam de diário da minha loucura, até o dia em que eu durma e não acorde mais.