História de celular

Como é bom contar história, cada qual com suas peculiaridades e mistérios. Esta que vou narrar é meio marota, você pode até não acreditar nela, se isto acontecer, prometo revelar o número do celular da criatura que é a protagonista desta narrativa.

Eu, provavelmente não sou o único abelhudo desta cidade, creio que você também seja uma pessoa curiosa, uma dessas que ficam na mutuca, ali pegando sol, lagarteando meio que no descanso, meio que na sombra. Daquelas que usam óleo de peroba para parecer que é um cara de pau que fica ali na moita só pra ocupar espaço.

Passei dias e dias observando uma garota que chegou ao meu trabalho por estes dias, ela não trabalha exatamente na minha sala, mas ficamos no mesmo andar, somos trabalhadores de verdade, daqueles que não chegam atrasados nem por decreto presidencial.

O que me chamou a atenção foi o fato de que ela não fica no celular o dia todo conversando com os amigos, o padre ou o papagaio de pirata. Isto nos dias de hoje é uma coisa absolutamente fantástica. Algo digno de registro. O máximo que ela faz é mandar mensagens, isto sim, faz com certa frequência, mas nada demais para a sua idade.

Minha curiosidade foi aumentando a cada dia que passava, não conseguia acreditar que uma garota daquela idade não falasse ao telefone com frequência. Pensei até em mandar o seu nome para o Guinnes, certamente, uma campeã em matéria de silêncio. Esse pormenor acabou me irritando, me deixando fora do esquadro.

Passei dias e dias, até descobrir o número do seu telefone. De imediato, fiquei com receio de ligar. Hoje tudo é motivo de assédio, tinha que tomar o maior cuidado, ainda mais que ela é servidora bem jovem.

Certo dia disse pra mim mesmo: é hoje. Disquei o seu número, esperei tocar por três vezes e nada. Liguei novamente e deixei tocar até cair na caixa de correspondência. Como ela não atendeu, cheguei ao seu lado e falei:

__ Seu telefone estava tocando.

Ela não deu a mínima importância, continuou no seu trabalho.

__ Seu telefone estava tocando.

Repeti.

Não adiantou nada. Foi aí que descobri que ela era surda e muda, mas isto não a impedia de mandar mensagens.

Como diz a minha mãe: celular é um treco de outro planeta.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 05/03/2007
Reeditado em 09/10/2017
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