ADEUS

«Já gastamos as palavras meu amor
(...) E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza de que todas as coisas
estremeciam só de murmurar o teu nome

no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.»


(Eugénio de Andrade)
 
 

Eugénio de Andrade. A sua obra poética, essencialmente lírica, é única e de uma simplicidade quase palpável. Foi considerada por José Saramago como «uma poesia do corpo a que se chega mediante uma depuração contínua.»

Os versos transcritos do poema «Adeus», um dos mais belos e realistas que meus olhos já leram, falam de um amor gasto, corrompido pelo tempo e, agora, estéril. Podemos sentir a intensidade das palavras, a grandeza das frases e as imagens fabulosas usadas pelo poeta. «Antes todas as coisas eram possíveis...»

No início, o amor era imbatível e de tudo capaz. Não havia barreiras, nem impossíveis, e bastava apenas «murmurar o nome da pessoa amada para que todas as coisas estremecessem». Vivia, certamente, o poeta, no auge da paixão, quando os corações se encontram descobertos e sem defesas, quando o sentimento abre o espírito e arranca o orgulho, as vaidades do ego, as certezas e as reivindicações, pois o mais importante é amar, amar inteiramente.


O passado é um tempo que não volta mais. Agora esse «fogo» extinguiu-se, agora o «passado é inútil» e «as palavras estão gastas», agora o amor acabou, a paixão dissipou-se. Talvez por se usar e abusar tanto das palavras ao ponto de se «gastarem» ou, simplesmente, porque quase tudo tem um fim... Gastamos as palavras, mas nunca  saberemos dizer adeus...

Quiçá o amor, os afetos, os relacionamentos, sejam fugazes e passem por nós sem darmos conta, quase num sussurro, e vão ainda mais depressa do que chegam; quiçá tenham um tempo limitado quando, no nosso íntimo, queremos e desejamos intensamente que sejam eternos. Não sabemos dizer adeus...

Ainda que acreditemos que a despedida é necessária para que haja a alegria de um reencontro, um adeus é, e sempre será, triste e doloroso. Um adeus n unca é fácil, porque a saudade vem morar dentro do peito e não raras vezes faz doer. Não há como desapegar-se sem sentir dor, porque
a lembrança eterniza e o laço afetivo está no corpo e na mente e bate no coração. Não sei dizer adeus...

Não sei dizer adeus... Sempre sofri muito com as despedidas que a vida me impôs. Justamente por isso tive que adestrar meus sentimentos para que eles não me impedissem de partir, quando fosse preciso.
O sofrimento é inerente ao amor, pois sendo luz e plenitude, não queremos jamais o seu fim. Queremos que seja sempre, para sempre. Não sei dizer-te adeus... 


Ana Flor do Lácio

 
Ana Flor do Lácio
Enviado por Ana Flor do Lácio em 02/12/2012
Reeditado em 02/12/2012
Código do texto: T4015886
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.