Homens Maus
A moça voltava da feira com uma sacola cheia de alimentos e sonhos, passos largos na avenida e observando um montinho de gente que se reunia acolá. Foi se aproximando e entendendo que aquele povão olhava uma pessoa caída no chão. Então meio que por intuição, seu semblante incorporou um ar preocupado e o coração acelerou quando conseguiu ver, entre as pernas dos curiosos, um chinelinho verde, meio gasto que vestia um pezinho que ela conhecia. Chegou perto afastando aquela gente que mais parecia um bando de hienas espreitando a caça. A moça então deixou cair a sacola de verduras no chão ao mesmo tempo em que levava às mãos a cabeça num gesto louco e desesperado… Era o filho caído ali, tendo como caminha uma poça de sangue. O grito dela, fez tremer as estruturas da alameda, balançou as folhas das árvores, arrancou de dentro das lojas umas caras assustadas que foram logo ver o que se passava. O menininho franzino não se importava com toda aquela movimentação… só dormia inerte, quase que sereno rodeado pelos caçadores de notícias e simpatizantes da tragédia humana. Minutos antes ele tinha acabado de levar uma encomenda pra um tio ali mesmo, perto da sua casa. Era o bico que ele fazia para ajudar a mãe em casa e também ele dizia que quando tivesse muito dinheiro compraria um vestido bonito pra ela e um tênis bem legal pra ele. Só que a sorte não queria trato algum com o menino nesse dia e prova disso foi à chegada surpresa de um moço numa bicicleta, que passou alvejando o coitadinho, acertando em cheio seu corpinho e colocando um fim trágico nos seus planos de menino pobre. Mas ainda assim, dormia tranquilo… talvez não guardasse mágoa do acontecido, talvez seu coração de criança trouxesse guardado tantos sentimentos bons que neutralizava tanto mal. A moça, que agora tinha as mãos no peito, era amparada por uma transeunte. Ela sentia toda a dor do mundo naquele momento e olhava o pequeno abençoando e amaldiçoando ao mesmo tempo. Abençoava aquele que ela trouxe ao mundo com a ajuda Divina e amaldiçoava os culpados por tirá-lo dela. Ela sabia que corria o risco de perder seu mocinho daquela forma, temia por isso, mas no fundo pensava, rogando a Deus que livrasse seu coração de mãe daquele pressentimento horroroso. Assim, recolheu em silêncio os chinelinhos verdes, beijou a testa do seu menino sonhador e foi se afastando amparada por mãos desconhecidas. Seguiu a vida, faltando um pedaço dela, faltando o ar em alguns momentos, faltando comida, faltando esperança, mas seguiu, mesmo com tanta falta! Era de cortar o coração olhar pra aquela moça, que talvez no natal deste ano, ganharia um lindo vestido comprado por seu pequeno, mas a malvada sociedade em comunhão com as leis erradas e os homens maus e inescrupulosos do mundo em que ela vivia, não quiseram deixar.
Flávia Wrach