Vivendo nas alturas
As frondosas árvores do meu bairro foram substituídas por enormes prédios de onde são derramadas milhares de pessoas todas as manhãs. Umas saem e voltam com o jornal, outras se cumprimentam sorrindo com pães numa das mãos e há aquelas que saem a passear com seus cachorrinhos fofinhos, que regam os jardins graciosamente. É tudo sincronizado como se alguém pedisse para que o tempo fosse marcado, com uma exatidão provocadora de inveja. Carros saem apressados das garagens, deixando em sobressalto quem passa pelas calçadas… E assim começa o dia! Buzinas e aromas matinais infestam o ar.
Fico tomada por uma sensação estranha ao me ver fazendo parte dessa vida em condomínios de arranha-céus. Muito cismada, me pergunto como um sujeito parou pra arquitetar uma coisa tão surreal? As famílias se empilham umas por cima das outras, subtraindo as casas das nossas histórias cada vez mais. Arrancaram as casas do chão e as sobrepuseram como brinquedinhos de criança e aí começou toda a confusão. Se você vive num desses cubos empilhados, corre o risco de compartilhar tudo quanto é ruído estranho que possa existir, só que talvez você nem consiga identificá-los com precisão. Vez por outra uma mãe grita o nome do filho convocando-o para os deveres do dia a dia; Berros medonhos rasgam o silêncio na madrugada, fazendo o coração parar por segundos, e aí… Adeus sono tranqüilo! Um transeunte abençoado resolve ouvir sua música predileta às três da manhã, parado com seu carro que por obra do destino ficou caprichosamente estacionado debaixo da janela do teu quarto. Mas isso não há de ser nada, já que o mocinho só quer fazer uma serenata eletrônica para a amada que mora no sexto andar. Que romântico seria se eu não tivesse que acordar as seis da matina!
Descobri meus caros, com toda essa experimentação enfadonha, que prédios são feitos de tijolos, vidraças e ouvidos e não há nada que você faça que o coloque no anonimato num lugar desses. Você não se eximirá de culpas mesmo que não as tenha e sempre alguém saberá alguma coisa a teu respeito. Se não perguntarem diretamente a você, colocarão o porteiro nesta investigação.
Sobre vizinhos, constatei serem psicoterapeutas natos, que se alojam em corredores ou se postam nas portas dos elevadores. Lá discutem relações, analisam a vida de um morador, casam e descasam pessoas e instigam a curiosidade de uns e o mais importante é que não cobram pra fazer isso. E não há quem consiga fugir dessa neurose coletiva.
Quer desvendar a vida e o comportamento das pessoas? Quer saber se tem autocontrole? Mude-se para uma casa empilhada. Será uma experiência incrível! Mas eu aviso: Ganharás infindáveis adjetivos e não poderás mudar isso! Um exemplo? : “A moça do carro branco”; “O gordão do 208”; A velha do cachorrinho chato, que é chata também; “O velho que fuma nas escadas”… e por aí vai.
Um prédio residencial, nada mais é que um castelo medieval, onde o síndico é o Rei, o porteiro sua sentinela, os vizinhos os guardas e qualquer outra pessoa que não se enquadre na insanidade operante desse lugar, poderá ser trancafiado na torre da insignificância, apenas com o direito de experimentar enfasteantes descidas e subidas, pelo elevador ! (caso este esteja funcionando).
Flávia Wrach