Causo Verídico
CAUSO VERÍDICO
Santa Cruz é uma cidadezinha pobre escondida no interior desse enorme e belo Brasil. Povo simples, não conhecem a metade da tecnologia e das coisas caras e modernas que o homem pode dispor. A cidade é carente em saúde, educação, infra-estrutura e tudo enfim. Falta trabalho, falta tudo nessa minúscula cidade. Quem quiser comprar alguma coisa melhorzinha tem que percorrer 30 quilômetros para chegar à cidade de Santa Maria. Lá é um pouco melhor que Santa Cruz e tem um comercio mais sortido.
Para alegria daquela gente, um empreendedor corajoso resolveu abrir uma loja de médio porte nessa cidade. Modelo “Armazém Paraíba”, onde venderia eletrodoméstico, confecção, calçados e tecidos. Foi uma festa a inauguração. Banda de música, foguetes, balões, salgados e refrigerantes. O Prefeito discursou com entusiasmo pelo grande avanço da cidade com a instalação da loja.
No dia seguinte toda a população foi comprar uma coisinha. Até mesmo quem estava sem um tostão no bolso. Fizeram crediário. Eles nem sabiam o que era isso, mas os mais sabidos se sentiam importantes em explicar aos mais ignorantes que crediário era um sistema de vendas a crédito com pagamentos a prestação. Entre as letradas estava Margarida. Uma manicure loira, viajada, que se orgulhava dizer que tinha até passaporte. Casou com um viúvo que a levou para o exterior onde passaram à lua de mel. Deixando ao falecer uma pensão que juntando aos trocados que recebia no exercício de sua profissão dava para andar perfumada, bem vestida e esnobar aqueles que vivam com dificuldades.
Ela foi uma das que mais comprou na nova loja. Microondas, raque, sapatos, roupas e até um DVD. No final de tudo somou R$ 1.000,00 (mil reais) que foi dividido em dez prestações de R$ 100,00 (cem reais). Margarida pagava religiosamente todas as prestações no dia do vencimento.
Um dia fazendo as unhas de uma cliente que muito estimava e confiava confessou um segredo que estava entalado há muito tempo em sua garganta.
- D. Isidora, eu sou cliente dessa loja, mas acho que ela não é de confiança.
- Por que diz isso, Margarida?
- Sabe, eu compro umas coisas e eles põem na nota outra coisa. Será que é sonegando imposto?
- É, na verdade dizem que todo comerciante é ganancioso e utiliza dessa pratica para aumentar seus lucros, mas a senhora fala isso baseada em que?
- Olhe, eu comprei lá eletromésticos, roupas e sapatos e quando vou pagar eles me dão nota de outra coisa. Tenho até medo de receber nova cobrança das coisas que já paguei.
- E eles lhe dão nota de que mercadoria?
- D. Isidora, eles me dão nota de carne. Coisa que eles nem vendem lá.
A cliente da manicure ficou deveras intrigada e pediu a ela que levasse esses comprovantes para poder averiguar. Muito absurda a história da manicure.
Na manhã seguinte entre ela com os comprovantes na mão.
- Verifique D. Isodora, percebi que a senhora não acreditou em mim. Está aqui o primeiro segundo e terceiro comprovante. Todos têm escrito pagamento carne, pagamento carne, pagamento carne.
D. Isodora colocou s óculos e começou conferir a papelada. Com um sorriso nos lábios olhou para sua manicure e disse:
- Criatura, o que tem escrito aqui é pagamento do carnê. Carnê é esse bloquinho cheio de folhas relativas às prestações de compra feita a prazo. Não se trata de carne é carnê. Esse acento circunflexo em cima do “e”, além de indicar um timbre fechado na vogal tônica “e”, ainda modifica o sentido da palavra.
As duas caíram na risada. A manicure não se fez de rogada. Levou tudo com simplicidade e ficou contente por ter tirado um grande peso de suas costas. Agora sabia que não seria cobrada em duplicidade e a loja passou a ter mais credibilidade para ela.
Margarida era a mais sabida da cidade. Ensinava até o Prefeito e a Primeira Dama, etiquetas: como falar, como vestir e como se portar em certas ocasiões. Quem queria tirar dúvidas e ficar traquejado, era a ela que recorria.
Imagine!