UMA VIAGEM AO PASSADO .
Nunca me preocupei em ter certeza de quanto tempo durava a viagem da minha cidade natal até a cidadezinha que minha mãe nasceu . O que para mim importava era que a viagem de trem durava uma noite inteira e que só chegaríamos ao final da viagem no dia seguinte lá quase por volta da hora do almoço .
O que me lembro bem é que meus olhos brilhavam e meu coração batia forte, bem mais acelerado quando ouvia o apito da velha e garbosa Maria Fumaça e com o nariz grudado na janela ia acompanhando a paisagem que o entardecer me oferecia a medida minha Belo Horizonte ia ficando pra trás .
Não me cansava, não tinha sono e acompanhava com olhar curioso tudo que se desenrolava a cada curva ou longas retas que o trem, como uma enorme serpente de ferro, fazia algum esforço para cortar as montanhas , os vales e a paisagem linda da minha terra.
Quando a noite chegava, a escuridão não me assustava e mesmo mastigando sem nenhum apetite uma enorme maçã continuava olhando a paisagem, escura para os outros passageiros mas que para mim era maravilhosa pois conseguia enxergar um céu deslumbrante , recheado de faiscantes estrelinhas e tenho certeza que foi a partir dali que assumi um compromisso de namoro eterno com o luar e seu magnífico tapete forrado com as estrelas de diamante.
Nem me lembro se conseguia cochilar , mas tenho certeza de que não me cansava . Cada vez que o trem parava numa das estações era uma festa para o lugarejo. Como num passe de mágica a plataforma ficava entupida de vendedores de biscoito , uns que pareciam enormes argolas brancas que embora não tivessem gosto de absolutamente nada , a mim pareciam deliciosos, um verdadeiro banquete .
Nas viagens de criança não tinha relógio e nem precisava. O que eu queria mesmo é que o trem continuasse seu trajeto por muitas e muitas horas, quem sabe por vários dias pois a viagem , o balanço dos vagões , o apito da Maria Fumaça era o que mais importava. Cenas e lembranças mágicas que jamais vou esquecer .
Teve uma vez que meu pai quase perdeu o trem quando desceu para comprar café. Lembro-me que apesar de estar bem escuro, talvez fosse madrugada alta, a plataforma estava cheia e empurrando um e outro ele conseguiu subir no nosso vagão que já começava a se movimentar lentamente .
Derrubou quase a metade do café , aliás um café mineiro bem forte , mas foi uma aventura que mereceu meus aplausos e um suspiro de alivio da minha mãe.
Nessa época e nessas viagens, já que fizemos mais de uma, é que pude perceber que a escuridão da noite tem suas belezas e não é tão assustadora assim .
Àrvores cujos galhos balançavam ao sabor do vento e com o luar pálido encoberto por nuvens davam a impressão de que eram gigantes que caminhavam na nossa direção . Eu olhava firme mas não tinha medo .
Amanhecia , vinha mais um copo de café forte cuja metade ficara nas escadarias do vagão e a estação final se aproximava .
Ia-se ao banheiro pela última vez, passava-se uma água gelada no rosto e enfim, desembarcávamos.
Se não fosse para estar com minha avó e meus primos, preferia continuar no trem viajando sem destino , sem pressa de chegar a qualquer lugar, a lugar nenhum .....
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(.....imagens google, do antigo trem de passageiros com a Maria Fumaça e parado na estação de Três Corações, sul de Minas.....)