SÓ POR HOJE EU VOU RESISTIR!
Adoro fotografias de meio corpo, preto e branco, com iluminação marcada pelo equilíbrio entre luzes e sombras. A esse tipo chamamos de glamour, um estilo associado ao charme e à sofisticação, bastante comum nas imagens produzidas nos anos 60 e 70, mas ainda preferidas para comporem os porta-retratos de pessoas que têm bom gosto.
Dessas décadas, ainda é possível encontrar filmes e fotos de muito famosos, posando com piteira e cigarro nos lábios ou entre os dedos indicador e médio. Então, fumar era chique e como a mídia sempre ditou a moda, umas duas gerações de jovens “embarcaram” em carteiras de Hollywood, Minister, Capri...
Nessa época, na Escola Emir de Macedo Gomes, nos turnos matutino e vespertino, funcionavam apenas os cursos Ginasial e Normal. As meninas desse último nível escolar usavam aquilo que nós, reles alunas de primeiros anos, queríamos: uniformes de cambraia branca da cintura para cima, e azul marinho dela até um pouquinho acima dos joelhos.
Ocorre que muitas pessoas fumavam, desde o inspetor de disciplina até vários professores e algumas normalistas. Estas últimas, proibidas de ostentarem suas cigarrilhas no pátio, davam baforadas nos banheiros sob os nossos olhares invejosos.
Foi assim, que em uma tarde maldita, eu dei o meu primeiro trago em um Continental de alguém. Lembro-me de que tonteei e temi desmaiar, pois sabia que se minha mãe viesse a saber, certamente, eu tomaria uma surra inesquecível. Hoje eu lamento que assim não tenha acontecido, pois ao primeiro cigarro se sucederam outros. À medida em que o mal estar diminuía, eu me viciava e tinha de arrumar não apenas dinheiro para comprá-los “a retalho” no Minibar (em frente onde hoje é a Maritê Turismo), mas também locais para fumá-los sem ser denunciada.
Ah, também tinha de sustentar o vício do meu amigo Nagib Elias, que quando me via comprando os “palitos” me chantageava: “Se não me der uns 03 eu vou contar para o seu pai!” Rs,rs,rs,.... Deveria ter contado, Nagib, deveria ter contado, porque quando meus pais descobriram, eu já fumava Albany (com filtro de carvão ativado, lembra-se?) e estava irremediavelmente viciada.
Em dado momento, descobriram o mal que o tabaco faz ao organismo. Então, fumar passou a ser cafona, o importante não era mais ter Charm, o sucesso deixou de ser Hollywood, e cowboy do Malrboro acabou sendo demitido. Simultaneamente, as escolas de Educação Infantil e Anos Iniciais começaram a incutir nas cabeças das crianças que o cigarro mata. Temerosos da orfandade, os pequenos começaram a vigiar seus pais, enquanto a sociedade criava leis antitabagistas e o governo programas de ajuda aos dependentes interessados em largar o vício.
Mesmo sabendo que os cigarros contêm mais de 4500 substâncias tóxicas, dentre elas 43 comprovadamente cancerígenas, como o alcatrão, o polônio 210 e o urânio (sendo radioativos esses dois últimos); eu fumei quilômetros de cigarros e consequentemente o dinheiro que com eles gastei. Apesar de chorar quando soube de amigos que perderam um pulmão ou que morreram de câncer ou de infarto; eu traguei com força. Mesmo tendo de sair na neve ou de pagar 12 dólares por um maço de Marlboro em Manhattan, eu fumei avidamente.
Ao longo de 42 anos, eu tentei parar duas vezes; uma na marra, mas como comecei a virar uma rolha de poço, voltei a fumar. A outra por meio de acupuntura a laser, mas só funcionou durante quatro dias, em que passei o diabo com a abstinência, e então desisti.
Este ano, após subir 03 lances de escada para ensinar Filosofia a alunos do curso de Engenharia Mecânica, eu percebi que já não conseguia expor completamente o meu raciocínio, sem parar para procurar o fôlego. Comecei a pensar que falecer sem ar deve ser horrível, mas que antes de morrer deve ser mais terrível ainda. Contudo, creio que o pior mesmo deve ser ficar sobre uma cama dando trabalho para os outros.
Então, sem falar nada com ninguém, fui procurar o Naps e dei de cara com a Aldaíres Peres Sales, por quem tenho profundo respeito e admiração. Com lágrimas e tomada por uma profunda pena de mim, falei-lhe que eu decidira parar de fumar e estava ali em busca de ajuda. Fui abraçada, elogiada e encaminhada a uma enfermeira que após anotações do tipo anamnese, informou-me que eu seria chamada quando formassem um grupo com outros interessados.
Duas ou três semanas depois, convidaram-me para uma entrevista com uma psicóloga e para participar das sessões coletivas, às quintas-feiras, às 14horas. Nelas vi tudo o que eu já sabia na teoria, assisti a filminhos facilmente encontradas no youtube, mas vi, ao vivo e em cores, pessoas que já não conseguem falar ou respirar direito.
Passei pelo Dr. Fernando Pandolfi, que me receitou adesivos de Niquitin e comprimidos de Bupropiona... Há mais de um mês eu estou em tratamento e sinto um misto de orgulho e de pena de mim mesma. Orgulho, porque eu tenho conseguido resistir à dependência psicológica (associada à cervejinha, ao vinho, ao pós refeições...), e pena porque eu descobri que no dia em que eu dei a primeira tragada eu perdi, para o resto da vida, a minha liberdade de escolher, ao tornar-me uma escrava de algo que pode me matar sem que eu veja os meus filhos se casarem ou meus netos nascerem.
Sei perfeitamente que não estou livre de nada e que posso estar carregando comigo a célula que vai se revoltar pela abstinência e começar a crescer desordenadamente dentro de mim. Sei ainda que posso ter uma recaída na hora em que eu ficar mais gorda do que eu já sou, mas por enquanto, eu estou resistindo e vivendo dentro de uma norma comum aos Alcoólicos Anônimos: “Só por hoje eu vou resistir!”