Água, água, por favor...
Há versos que fazem poesia ao nos falar da flor que nasceu no asfalto; cortam-nos de dor sobre a natureza, rompendo empecilhos que o homem impõe a ela. Mas o homem, por sua vez, não entende a natureza revoltada como um tsunami, irritada como um vulcão, chamando a atenção como o terremoto no seu MSN ou, paciente e suavemente, uma flor brotando no inóspito, vencendo sufocantes obstáculos contrários à pujança da vida... Assim grita Drummond em A Flor e a Náusea:” (...) Uma flor nasceu na rua!/ Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego./ Uma flor ainda desbotada/ ilude a polícia, rompe o asfalto. / Façam completo silêncio, paralisem os negócios,/ garanto que uma flor nasceu” (...)
Há meses um olho d’água surgiu no asfalto, percorrendo poucos metros. Exatamente na Praça Dom Adauto, milagrosamente em frente ao Palácio Arquiepiscopal. De longe parece poesia, a água límpida, correndo e aos poucos se perdendo na sujeira do meio fio, entre copos, sacos plásticos e espumas provenientes das lavagens de carro. Seria de se acreditar: o Centro Histórico é pródigo em fontes; possui a da Bica, até hoje nos dando de beber; também no Roger, antiga atração no sítio da Igreja São Francisco.
A da Dom Adauto parece um olho d’água, mas não é uma fonte. É um vazamento num cano, de endereço certo, entre a casa 52 de “Jô Cabeleira” e a 58, onde funciona a Casa dos Conselhos Estaduais, de onde corre, a céu aberto e permanentemente, água em direção ao nº 76, Escritório de Advocacia, para terminar na esquina da Casa dos Azulejos, sede da Secretaria Estadual de Cultura. Nessa esquina, forma uma poça, com lixo e lama lodosa. Sim, lodo! “Faz tanto tempo, que criou lodo”, explicam “flanelinhas”. Isso confunde abundância d’água com um Estado de seca... Contradição aos pedidos de que o cidadão conserte sua torneira pingando; faça a barba de torneira fechada ou, ao se ensaboar, feche o chuveiro; evite lavar carro; apanhe água da chuva numa cisterna. No entanto, há meses, lá está o esbanjamento, acusando os responsáveis; reclamando dos que ali habitam; ofendendo os que passam e imaginam aquilo que ilustram os jornais nas notícias da seca: caveiras do gado implorando água, e o pobre em lágrimas. Finaliza o poeta: “Mas é uma flor./ Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”