CÂMARA DE VEREADORES

Por Vicentônio Silva

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Rumava ao trabalho numa cidade trezentos e oitenta quilômetros de casa quando, estacionando num posto para completar o tanque, comprei jornais numa banca improvisada. Sentei-me ao restaurante, pedi suco de laranja. As notícias se repetiam e, algumas vezes, incrementavam o rol informando mediocridades sobre jogadores de futebol, modelos, atores, músicos, amantes de ricaços, viúvas de milionários e brigas em torno de mulheres que, nas entrelinhas, se candidatavam às mais fúteis do século.

O título em letras garrafais de uma matéria na página política despertou-me a atenção: “Câmara de Vereadores vota projetos importantes”. Obviamente três quartos do mundo e eu desconfiamos dos políticos profissionais e, especialmente, dos vereadores com quem, nas cidades pequenas, facilmente esbarramos nas ruas, na agência bancária, na fila dos correios ou do hospital. À falta de assuntos mais interessantes, deslizei os olhos e, nas primeiras linhas, me surpreendi.

A jornalista destacava a aprovação de projetos de grande impacto no orçamento do próximo ano, entre eles, aumento de vinte e cinco por cento aos servidores públicos municipais (sendo quarenta e dois por cento no caso de professores e funcionários da saúde) além de estabelecimento de plano de carreira com direito a afastamento remunerado para cursar mestrados e doutorados, isenção de IPTU para todos os imóveis – grandes, pequenos, médios, comerciais, industriais ou residenciais, nos bairros pobres ou ricos – diminuição de secretarias e dos salários dos secretários e, pasmei, quase engolido o copo de suco de laranja, corte total das remunerações dos vereadores. Ou seja, cidadão que desejasse ocupar vaga no legislativo municipal assumiria a bomba desde já consciente que não levaria um só centavo dos cofres públicos. Li a notícia mais três vezes, solicitei ao caixa que lesse o parágrafo bem escrito e, já sentado em meu carro, mal compreendia como a cidade de poucos mais de trinta mil habitantes, enterrada no sertão paulista entre nada e coisa nenhuma, despontava com tal brilhantismo na esfera pública nacional e – por que não afirmar com muito orgulho? – internacional. Aqueles vereadores – planejavam racional e estrategicamente a aplicação de recursos – tinham ajustado que, dali em diante, nenhum centavo pagaria publicidade: jornais, revistas, agências de publicidade, internet e rádios à míngua.

Guardei cuidadosamente o exemplar na intenção de assombrar meus alunos na aula noturna e, sem mais perder tempo, voltei à estrada. Já no hotel, sentei-me à mesa, li novamente a matéria e, com caneta vermelha, ressaltava os pontos que virariam temas de nossos debates na turma de gestão pública, integrada tanto por jovens egressos dos cursos de administração pública, contabilidade pública e direito público quanto de profissionais tarimbados de prefeituras, câmaras de vereadores, fundações, autarquias e demais órgãos que integravam os governos da região.

A movimentação do legislativo da pequena cidade serviria de exemplo de boa gestão e, para evitar que a leitura ficasse solta no ar, vesti-me, atravessei a rua e tirei cópias do texto de maneira que, durante a aula, os alunos acompanhassem as reflexões e, ao fim dela, levassem as brilhantes idéias para suas cidades de origem. O dono da papelaria – onde aguardava as fotocópias – entusiasmou-se com a notícia prometendo conversar com o amigo radialista que, defendendo a idéia em seu programa, fora tachado de louco pelos sanguessugas do dinheiro do povo.

À noite, entrei muito contente na sala da aula, escrevi algumas palavras no quadro-negro, estimulei debates, distribuí a matéria, lida rapidamente, seguida de grande alvoroço. Já tínhamos correntes que defendiam ou se posicionavam favoravelmente ao nepotismo, lei da ficha limpa, eficiência de serviços, aplicação transparente de recursos públicos, participação popular, meios de fiscalização cidadã quando, esbaforido, aluno da cidade em que ocorrera a revolução dos vereadores, por sinal, funcionário do legislativo, instado a se manifestar, disse-nos que “aquelas crianças” eram realmente geniais.

- Crianças? Perguntei.

- Sim, professor. Crianças. O jornal não estampou aqui, mas essas são as decisões aprovadas pela Câmara de Vereadores Mirim, agrega crianças de oito a doze anos.

*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 30 de novembro de 2012.