Os nós do meu sapato

“Resolvo sair antes de o sol nascer, apenas me levanto e calço meus sapatos e tento me lembrar o que me fez compra-los! Esboço um leve sorriso e diversas propagandas ortopédicas passam pela minha cabeça... De repente percebo que o único motivo que me faz calçar sapatos é que em uma sociedade capitalista se eu sair descalço por ai é capaz de ter de me explicar a cada metro quadrado caminhado, para varia as pessoas hoje em dia ainda se preocupam demais com o exterior... Sim eu gostaria de andar descalço como os índios, os pretos velhos na época do engenho, como uma criança! Por anos lutamos por liberdade e a sensação que tenho é que tudo ficou apenas nas palavras. As pessoas caminham pelas ruas com medo da própria sombra, ocupadas demais com todos os boletos e contas por pagar, a alma grita por liberdade mas o corpo está aprisionado atrás das grades das casas e condomínios, atrás dos pré-conceitos e defesas psíquicas arcaicas criadas no redemoinho sujo dessa “descoberta” do país.

Lutamos por qualidade de vida, porém, quanto mais o tempo passa 24hs é pouco para todas as tarefas a se exercer. Enquanto o poder de Decisão estiver aparentemente na mão de meia dúzia de engravatados nós ainda vamos assistir à mesma novela de sempre; hospitais cheios de doentes, e vazio de profissionais, estádios levantados à custa do dinheiro público, escolas sendo vistas pelos alunos como perca de tempo... Enquanto o sapato se acostuma aos meus pés lembro-me da professora do primário me perguntando o que eu gostaria de ser quando crescesse... Esboço ainda o mesmo sorriso enquanto percebo que hoje ainda eu não saberia responder, apenas me lembro da minha mãe colocando o all star em meus pequenos pés na época da minha infância onde sentado na beira da cama os pés não alcançavam o chão e tudo era tão simples, onde um sorriso sincero valia todo meu dia e a descoberta a cada passo era do tamanho do mundo...

O sol briga com as nuvens nesse Outono Capital e vem surgindo aos poucos enquanto eu afrouxo um pouco os nós dos sapatos, hoje eu resolvi sair cedo...”