O DONO DA BOLA.
Na minha infância (quão longe já vai ela), nosso país produzia muito pouco, apenas o elementar.
A indústria era incipiente, apenas engatinhava, e quase tudo era importado...e a preços que ficavam muito além da posse da grande maioria dos brasileiros.
Até mesmo ações muito simples, como a compra de uma galinha, não eram fáceis; vem daí o dito popular "galinha só entra em casa de pobre, quando um dois dois está doente".
Frutas hoje de acesso popular, como peras, maçãs, ameixas, uvas e pêssegos, só apareciam na mesa de gente rica; a plebe só sentia o cheiro e salivava.
Muita água passou por baixo e por cima da ponte; a nossa indústria, alavancada pelo natural desenvolvimento da economia, cresceu e atingiu o patamar de hoje.
A agricultura, acionada pela crescente necessidade de produzir alimentos para uma população em franco desenvolvimento, respondeu à altura e, no momento atual, abstraídos focos esparsos de alguma carência, a mesa do pobre ficou bem mais farta e os índices de compra de bens de consumo continua crescendo, haja vista uma foto publicada no "O Globo" em que vemos (mesmo com a ressalva da desgraça) um viciado em crack manuseando um "lap-top".
Mas, por força do meu vício de divagar, acabei perdendo o fio da meada!
O que eu quero, mesmo, dizer é que, na minha infância, jogava-se muita "pelada" e, na falta de numerário para aquisição de uma bola decente, o negócio era mesmo improvisar...e como a gente improvisava!
Tinha bola feita de papel, bola de meia e, até, bola de lata! Qualquer coisa servia, desde que rolasse e que não fosse (muito) traumática para pés descalços.
Porém, por obra e graça de Papai Noel, vez por outra alguém ganhava uma bola de verdade, de couro cru, durinha, com um maravilhoso quique e ela era passada de mão em mão, como se fosse um objeto sacro; era alisada, engraxada e tratada como se dela dependesse o destino do mundo.
Exatamente nesse momento surgiu a figura odiosa do "dono da bola", odiada e temida no mesmo grau. E, por azar, quase sempre a endeusada pelota pertencia a um jogador "perna de pau", que só tinha vez pelo fato de ter a posse da bola, e na escolha para formação dos times, era sempre o refugo – o último a ser escalado.
Só que, se durante o jogo o time do famigerado estivesse levando pau, ele, simplesmente, agarrava a bola, punha-a debaixo do braço, empinava o nariz...e ia embora, sob o olhar, misto de punhal e mãos postas, da garotada suada.
E a raiva incontida estravazava com imprecações nem sempre publicáveis, como: "Vai, belezinha, chorar no colo da mamãe" -" Volta aqui seu fdp"- "Rapa fora, seu bundão" - "Devolve logo essa bola, seu merda" - "Viado é assim mesmo" e outras tantas semelhantes adjetivações.
Como paralelo, vejo hoje a mesma abominável criatura encarnada na quase absoluta maioria dos nossos homens públicos; só que eles saem de campo driblando a justiça, o decoro e a probidade. Já que eles se vão, pelo menos levantemos nossos cartões vermelhos, nada impedindo, também, o reforço de uma dúzia de cabeludas imprecações.
(não deixe de ler a colega Deyse Felix)