A Realidade do Reality

Estava voltando para casa após um exame admissional, tranquila por saber que em breve inicio em um novo emprego, e com isso, terei a oportunidade de garantir o meu sustento e o de minha família com o meu digno dinheirinho suado. Dentro do ônibus eu cultivava minha nova mania: ouvir música no celular. Enquanto me deixava embalar pelas melodias da minha rádio favorita, refletia a respeito da fama repentina e principalmente do enriquecimento repentino de algumas, digamos, novas "celebridades". Imediatamente me veio a lembrança de um comentário que escutei na porta da escola do meu filho, a respeito da grande final de um "reality show". Duas mães comentavam empolgadas que foram dormir mais tarde para ver quem seria o grande vencedor. Eu só escutei, afinal, não gosto desse tipo de programa e na noite anterior tinha algo muito mais importante para fazer: dormir e não escutar o festival de baboseiras que são ditas nessas ocasiões. É claro que não conseguimos, e não podemos, ficar alheios a essas informações. Vencedores de realitys são novos milionários que ocuparão os (outros) programas de TV, as páginas dos jornais, as revistas, a internet, nosso tempo, nossos ouvidos, nossas cabeças, enfim, "deuses" que estarão em todas as partes, em todos os lugares. Estarão famosos e endinheirados. Até mesmo os míseros participantes, que não foram contemplados com o grande prêmio, aumentam o grupo dessa nova "elite". Realmente é muito triste todo esse espetáculo, mas infelizmente as pessoas assistem por diversos motivos, que na minha opinião, não são capazes de explicar o estranho gosto por contemplar exibições febris e absurdamente ridículas dos participantes. Fico imaginando a que as pessoas se submetem para aparecer, alcançar status e ganhar muito dinheiro tão rapidamente. Há quem tenha pena quando os vê em provas que testam o limite de suas forças físicas e psicológicas. Pensando bem, até entendo (um pouquinho só) o porquê de tamanho sucesso dessas atrações. Talvez seja o desejo lá do subconsciente humano de dormir pobre e acordar rico. De chegar na cara do patrão e dizer uma dúzia de nomes feios, que até então paravam na garganta e voltavam em forma de sapo. De curtir o não fazer nada e ainda assim ser bem visto. É...talvez por esse ângulo...

O grande problema é que as pessoas dão atenção demais para esses novos “gente fina” e não enxergam que os realitys estão bem distantes da nossa realidade. Será que alguém consegue imaginar um reality bem real? Que tal colocarmos uma câmera na roupa surrada do pai ou da mãe de família que sai de casa ainda de madrugada e tem de enfrentar vários desafios até chegar ao seu trabalho, como o trem, ou o ônibus, ou o metrô lotados. Tomar muito cuidado para não ser assaltado. Superar o nervosismo do engarrafamento. Legal, né! Cheio de emoções. O grande vencedor é aquele que consegue superar esses transtornos e muito mais. O grande vencedor leva o salário, a comida na mesa e garante mais um mês de emprego. Show! Isso sim é um Reality Show, assim mesmo com as iniciais em maiúsculo. Mas tenho a impressão de que não faria muito sucesso. A cara da pobreza não fotografa bem. Pode até ser que saia um discurso inflamado seguido da mudança do canal de TV indigesto que veio nos esbofetear com imagens tão duras. É...bom, voltando ao ônibus que me trouxe para casa, pois bem, entrou um homem vendendo aquelas gominhas de menta que aliviam a garganta e combatem a rouquidão. Apesar dos fones em meus ouvidos pude apreciar a propaganda do produto simples e atrativo, mas o que sempre me chama a atenção é o apelo desses vendedores. Pedem para aqueles que sentirem no coração que devem ajudá-lo que o ajudem. Eu devo ser mesmo coração de manteiga, pois sempre compro, mesmo que o produto não tenha serventia para mim. Gente, é o apelo de um trabalhador querendo levar o pão de cada dia para sua família! Ele está certo, poderia estar matando, roubando, ou participando de um reality qualquer...

Vocês devem estar se perguntando por que não termino os benditos parágrafos com um ponto final, mas sim com três pontos como se tivesse algo mais a dizer? Porque não tem fim mesmo. Enquanto o homem vendia suas balas no ônibus, passava o rapaz descalço na calçada, alguém morria na fila do hospital público, outro perdia o emprego, lá longe ou talvez bem perto, ou quem sabe as duas coisas ao mesmo tempo possam ter um ser humano morrendo de fome, e este morrendo no sentido literal da palavra. Mas deixemos esta conversa melancólica de lado, afinal, temos gente bonita e rica para ver na TV, nos jornais...ah, sim! E por falar em jornais, quem disse que essa gente poderosa não tem utilidade e valor? Os jornais nos quais desfilam sua ascensão podem estar servindo neste momento de cama e cobertor para alguém que vive nas ruas, ou então, podem estar desempenhando a nobre tarefa de limpar a humilde bunda das nossas mazelas sociais.

Luciana Pitanga Valadares
Enviado por Luciana Pitanga Valadares em 28/11/2012
Reeditado em 15/01/2013
Código do texto: T4009458
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