A Necessidade Desperta A Criatividade
Época do racionamento de combustível.
Decidimos uma viagem para o interior de São Paulo.
Faríamos “um bate volta” para visitar a
saudosa tia – irmã de minha mãe de quem herdei
o primeiro nome..
Meio inexperiente encarei o percurso de
quinhentos quilômetros contando com o retorno.
Saimos de casa as sete da manhã.
No banco do passageiro, dando a maior
segurança minha mãe ajudando “olha a estrada”.
Atrás minha irmã com meu filho mais
velho – à época perto de completar três anos de
idade.
Primeira vez pegando a rodovia – insegurança.
A viagem parecia interminável.
Após duas rápidas paradas chegamos ao
destino perto do horário do almoço na cidade dos crepúsculos maravilhosos – São João da Boa Vista.
Matamos a saudade!
Tia Ana nos recebeu com a tradicional galinha
caipira, macarronada, batatas, pão caseiro que
fazia como ninguém, e tanto de carinho que hoje
mora na caixinha das doces lembranças
guardada na alma.
É melhor irmos embora - disse minha mãe.
É tarde, são quase cinco horas da tarde, tem
o problema da falta de álcool, depois das oito
os postos estarão fechados.
Na volta meu filho já impaciente pela
pouca idade dizia a todo o momento que queria
estar em casa.
Entrando em São Paulo dei um perdido
daqueles – ao invés seguir para a região do ABC
me vi de repente diante de uma enorme
estátua – Borba Gato.
Estávamos em Santo Amaro!
Postos de gasolina fechados, o menino
reclamando, luz do combustível acesa, cansaço.
Além de ter perdido o caminho, a preocupação
de encontrar um local para abastecer, e nada!
Mais um pouco o carro começou a falhar – um
fusca Fafá 80, seminovo.
De repente a ideia – vamos procurar uma
farmácia, disse para minha mãe.
Não tardamos a encontrar.
Comprei dois litros de álcool, despejei no
tanque, imaginava que com isso seria o
suficiente para o regresso.
Completamente perdida, procurando placas indicativas....passava das dez da noite.
Meu filho repetia – quero chegar mamãe,
quero chegar, choramingando no colo de tia.
Minha mãe do meu lado, como sempre dando
aquela força moral.
- Filho, também quero chegar, só que não sei
o caminho - repetia controlando o desespero.
Após uns quarenta minutos sob a neblina
que limitava a visão encontramos as placas
do desejado caminho de volta.
Daquele bendito ponto estávamos distante
uma hora e meia de casa.
Havia percorrido menos de a metade quando
novamente acendeu a luz do combustível,fora os
estalos e as falhas que o carro apresentava em
razão do álcool medicinal.
Saímos da via expressa em busca de farmácias
vinte e quatro horas, na época eram poucas.
- O que faremos se esse carro parar meu Deus!
Dizia minha irmã com o menino, graças a
Deus dormindo em seus braços.
No desespero avisei um daqueles botecos de
periferia mal iluminado com a porta entreaberta.
- Vamos parar no bar!
Entrei pelo estreito espaço perguntando
para o balconista que fazia a limpeza se vendiam
álcool.
- Álcool aqui?
Só se for pinga de barril, disse
apressado arrastando as mesas para lavar
o piso.
Como é vendido moço?
- No copo ou no litro...
Quero três litros!
- Minha mãe atônita dizia – o carro vai parar,
imagine se vai funcionar com pinga???
Zerada no quesito paciência preferi não ouvir.
Abri o tanque do veículo, despejei o aguardente.
É certo isso?
Questionava minha mãe.
Se é certo ou errado é o único meio
que a gente tem pra tentar chegar, disse
justificando o injustificável.
Ao ligar o veículo tive a impressão de que
um monte de bombinhas juninas acesas ao mesmo tempo.
Mais tarde fiquei sabendo que
era o tal do carburador - nunca entendi de veículos.
Sob o som dos estouros, dirigindo a
vinte quilômetros por hora, com o carro morrendo
a cada cinco minutos, chegamos em
casa perto das quatro da madrugada, havíamos
previsto no máximo onze da noite.
Mal clareou o dia a primeira
providência – levar o pobre no carro no mecânico
para limpeza do motor.
(Ana Stoppa)
( imagem: google)