Como foi seu dia?
A simplicidade do homem o torna burro em matéria de relacionamento.
A capacidade que o homem tem de tornar tudo tão singelo na maioria das vezes traz benefícios. Graças a sua simplicidade não se ofende com facilidade. É só dar um tempo que logo estará tudo bem. Sem mágoas, sem rancor, sem noite de sono perdidas. Também é fácil agradá-lo. Basta servir um prato com carboidrato junto com uma bebida gelada.
A grande questão é que por serem tão simples os detalhes que vão acontecendo em sua rotina passam despercebidos. Ele não se incomoda com isso. Afinal, não é necessário. Mas o lado refinado e inteligente do relacionamento sempre acaba sendo penalizado.
As mulheres são as que sofrem com a objetividade masculina. O que para eles é apenas uma superficialidade existencial, para elas é essencial.
A prova de que o homem é burro é que ele não dialoga. Apenas ouve. Quando ouve.
Marido tem a mania de chegar em casa, tomar banho – quando toma – e se jogar no sofá em frente a televisão. Namorado chega em casa e vai direto para o computador jogar alguma coisa online. O que eles querem? Ficar quietos. O que eles não querem? Alguém falando sem parar. Pior: querendo que eles falem.
Homem detesta, repudia, odeia quando a mulher o pergunta: como foi seu dia?
O que se passa na cabeça masculina é impróprio para os ouvidos femininos. Não por ser ofensivo. Na verdade não tem nada de mais. Na realidade não acontece nada no imaginário de um homem quando perguntado sobre seu dia. Apenas a quietude. Por isso não pode ser pronunciado a uma mulher. Onde já se viu uma mulher que não fala? Seria uma ofensa respondê-la com tal expressão. Ele, então, reúne as últimas forças para responder.
- Foi tudo bem. Nada demais.
Ele se esqueceu de falar do coco de cachorro que ele pisou na saída de casa. Esqueceu-se de contar sobre a breve discussão que teve com o motorista de táxi na Salgado Filho com a Doutor Flores. Esqueceu-se de que não almoçou porque teve que correr atrás com um procedimento no trabalho para não ter que fazer hora extra porque ela já estava chateada com o horário que ele vinha chegando. Esqueceu-se de contar sobre a estagiária que fica se insinuando diariamente para ele. Esqueceu-se de contar sobre o acidente que fez com que ficasse preso por um longo tempo em um congestionamento.
Parado na frente de sua rainha ele apenas impacientemente balbuciou a frase: foi tudo bem. Como se o seu nada de mais pudesse satisfazer a curiosidade dela. Preferiu não se cansar e não contar detalhes a renovar vínculos de confiança com sua mulher.
Eu sou homem. Minha personalidade é melancólica. Amo o silêncio. Amo escutar as batidas do meu coração. Adoro sentir o sangue pelo meu pulso. Não gosto de falar. Concordo com o Apóstolo Tiago: varão perfeito é aquele pronto a ouvir e tardio a falar. Mas minha semelhança com o restante dos outros homens termina aí. Eu a-mo quando me perguntam como foi o meu dia.
É uma das perguntas mais apaixonantes de ser ouvida. Talvez só perca para “vamos dormir?” ou “você está com fome?”.
Não é qualquer uma que pergunta isso. Não é para qualquer um que ela pergunta isso. Mulher, até ter filhos, é egocêntrica por natureza. Ela não conversa sobre o que não a envolva. Presenciar o momento que ela se esquece dela para se interessar por você é quase inacreditável. Um milagre. Um devaneio. Um real gesto de amor.
Através da pergunta que tanto irrita os homens a mulher está criptografando uma carta de amor. Ela está se entregando a você. Enquanto para o homem amor é ter o corpo dela junto ao seu, ela vai refinando sua paixão. Seu amor não se expressa com o óbvio. Com o efêmero. Ela leva o amor a novas medidas e patamares. Não entrega apenas seu corpo, seu sexo. Entrega seus ouvidos para ouvi-lo. Seus olhos para contemplá-lo. Sua atenção para absorvê-lo.
O homem não compreende isso. Frustra o desejo feminino de transcender o amor. Quer apenas jantar, assistir ao jornal e tentar a sorte mais tarde no quarto.
Burro. Homem é burro. Se fosse inteligente teria respondido com calma a questão levantada por ela. Se fosse inteligente saberia que mulher não faz amor apenas quando ele a toca. Mas quando as palavras atingem o cerne de sua alma. Quando a sinfonia perfeita entre corpo e alma forma uma canção tão complicada que com palavras é impossível explicar.
Maldita mania de simplificar tudo. Até mesmo o amor.