Filhos de subsistência
Em dias de descanso, feriados, praias, outras fardas, velhos hábitos não permitem identificar uma pessoa, nada a associa ao seu cotidiano. Até o mais criterioso policial, que nunca bebe em serviço, desmancha-se em uma caipirinha, esticado na areia, aproveitando-se de todas as esculturas recobertas, em partes, por biquínis.
Prestadores de serviços, que trabalham ao som de Ravel, passam a conhecer as mais variadas atividades e, no caso em concreto, conhecem profissionais fora de sua hora em que exercem sua profissão.
Todas as segundas, no período da tarde, o bordel se faz um grande carrossel, onde as mães deixam as camas profanas, e ternamente brincam com crianças puras; os filhos saltam nos colchões, que naquele momento deixam de ser a ferramenta das mães das crianças puras.
O entregador é apenas o entregador, a ele é servido um café e, em algumas casas, até bolinho de chuva. A Tere tem um espírito cômico, belíssima, com forte presença de espírito faz rir quem dela se aproxima; a Zilda ainda se lembra chorosa do amor que a trouxe para ali; Leninha lia Neruda e cantarolava Chico Buarque; dona de corpo exuberante, escondendo-se atrás do dia livre e dos cabelos despenteados Célia vai de uma casa a outra, conversando com suas colegas como se em missão social, quando o ambiente abandona, por um dia, seus verdadeiros objetivos sociais.
E as crianças brincam, sabem de cor onde fica a casa de sua mãe, sem o orientador lampião vermelho preso à porta;monta-se uma enorme família infantil, sob os encantados olhares das mães que trabalhas às noites, para que os filhos desconheçam aquele lugar de terça a domingo.
Mesmo morando ali as mães não perdem sua castidade materna; não misturam o carinho que vendem com o carinho que dedicam às segundas aos seus filhos; quantos daqueles filhos concebidos na tentativa de prover a subsistência de filhos anteriores, há quanto tempo casas de terças a domingo, com atividade noturna, recebem crianças, às segundas; crianças que desconhecem um bordel.