Amargando Jane

Linha verde, Clínicas e o cheiro nada hospitalar e nada saudável das estações paulistanas acompanhavam Jane durante a maior parte do dia. Quando não trabalhava vendendo bilhetes de metrô, ia para o trabalho de metrô, voltava para casa de metrô e durante sua folga aos domingos, brincava de serpentear a cidade pelas linhas embaralhadas, sem sair dos vagões.

Jane vivia num mundo de pernas pro ar, ele num mundo de portas abertas. E apesar de julgarem saber tudo da vida, pouco sabiam sobre viver. Jim não era daqui, “pudera, com esse nome!”, sempre dizia sua secretária, ao responder, “o senhor James não se encontra no momento”. Ele, que no escritório, na verdade, se encontrava, se perdia em pensamentos longes dali. Linha verde, Clínicas e o cheiro adocicado da atendente.

Há exatamente uma semana, o dia foi ruim para Jim, olhos claros, cabelo liso e castanho cortado com tesoura, rapaz quase alto demais, lembrava algo como um jogador de basquete. Já atrasado, bateu o carro assim que saia de casa. Com uma caneca nas mãos, na batida ainda sujou sua camisa tão branca quanto cara com um café tão preto quanto forte. Mas forte como era, mudou de estratégia e também de caminho, seguiu a passos longos e apressados para a estação Clínicas, enquanto pensava também rapidamente, “mais perto e menos lotada”.

Esperando na fila, Jim logo compraria seu bilhete com Vera, a atendente ao lado, mas a desistência do rapaz a sua frente fez com que Jim pulasse para a cabine da atendente de cabelos curtos e negros como seus olhos e uma maquiagem ainda intacta pelo retoque da chegada ao trabalho.

- Cinco bilhetes, por favor - Dizia o precavido Jim, que por falta de bilhetes não se atrasaria mais, com sotaque que havia motivado o apelido de “gringo”. Jane responde falando baixo, assumindo o papel de frustrada moça que só mesmo venderia bilhetes para o bem apanhado rapaz:

- Dá catorze e cinquenta - Mas antes de completar o último “e” da fala, foi interrompida pelo estridente barulho do celular que tocava no volume mais alto possível ao aparelho pago a prestações, “Sweet Jane, Sweet Jane”. O toque barulhento da calada atendente provocou um sorriso no rosto de Jim. Ela não atendeu, ainda assim sabia, não era ninguém, talvez a operadora.

A música além de Jane, falava sobre um tal Jack, um tal Jim, “a banda da banana”. Velvet Underground lembrava ao rapaz uma cidade também cheia de metrôs. “New York, New York”, hoje o dia estava para canções. Mas da letra poucos sabem, eles mesmos pouco sabiam. E de tanto não saber o que fazer, Jim pegou seu troco e foi embora.

Jane que continuou vendendo bilhetes permaneceu sem saber o porquê do sorriso no rosto do moço bonito, e fez questão de perguntar a Vera:

- Viu aquele moço? Bonito, mas todo sujo de café, deve ser algum maluco, aqui só tem gente assim.

Tão maluco quanto Jane pensara, Jim ainda pensou muito sobre a pequena. Uma semana depois ainda pensava. Um mês depois, não. Nem mesmo quando ouviu de novo a canção, nem mesmo sabendo da existência da verdadeira doce Jane. “All things must pass”, agora ouvia o beatle George.

Beatriz Brandão
Enviado por Beatriz Brandão em 26/11/2012
Código do texto: T4005265
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