ODIEI O ORKUT

Odiei o Orkut. Até o meu sorriso na única foto pessoal é falso.

Ter que fazer propaganda de mim mesmo, mostrar ao mundo que sou sociável e amigo, que possuo fãs e que participo de várias comunidades, mesmo sem conhecer quem as criou, ferem profundamente as cascas rudes que criei na pouca paciência de mim e da convivência com outros.

Odiei ter que carregar algumas fotos (sem o consentimento) com alguns amigos sorridentes para provar que não possuo o privilégio da solidão. Portanto, se o fiz, foi por razões mesquinhas.

Odeio as obrigações sociais que me são impostas para que lhe faça parte, assim como odeio freqüentar este ou aquele sítio para não perder os amigos de hoje no futuro, como perdi os do passado.

Afinal ninguém mais escreve cartas e um telefonema ainda sai caro.

Só não me acostumo aos depoimentos e aos coraçõezinhos, obrigando antigos relacionamentos a me taxarem de pouco ou super sexy, ou se sou um sujeito legal e confiável.

Sendo mal-humorado, intranqüilo, com tendência à solidão, taciturno, ensimesmado e cru, mantive próximo somente os que aprenderam a conviver com os maus adjetivos que acompanham minha ranzinza personalidade.

Não tenho o padrão de beleza adotado pela sociedade, nem desejo encontros amorosos ou qualquer contato em que hajam trocas de fluidos corporais, mas por necessidades que me fogem ao controle, como o de reencontrar velhos companheiros, aos poucos vou rendendo-me, eu que tenho o desprazer de, com o passar dos anos, ficar cada vez mais saudosista e menos sociável.

Mas rendo-me com certas reservas, resistências e constrangimentos aos constantes recursos que a tecnologia e a rede mundial empurram-me goela abaixo.

Como nem tudo são dissabores, de certo modo está como sempre quis: participo agora de agrupamentos e comunidades sem o desprazer dos jogos íntimos dos humanos; nem preciso esforço em me fazer amado ou seduzido, ou conquistar espaço à força de representações do que não sou.

Posso sê-lo sem os cuidados de dizer ou fazer bobagens como o faço na naturalidade de minha intimidade; nem o esforço da aceitação da companhia indevida de outros insuportáveis como eu, nem o medo de receber ou levar carão desta ou daquela moça ou a mudança de personalidade daquele colega que é gente fina somente quando não enche a cara.

Enfim, já não preciso me ver como mais um representante da espécie humana nem demonstrar toda a humanidade no fragmento que é minha personalidade banal e ímpar.

Nem quero certezas nem idéias prontas, pois sou estrangeiro onde vou, e continuarei sendo na distância do mundo digital.

Somente sinto a lucidez de que daqui a alguns anos deixarei de existir e inexistindo, me fundirei àquela paisagem que todos olham e ninguém vê:

somente uma cruz sem cal e um túmulo sem flores.

Tudo está no seu lugar: eles lá,

e eu aqui.

Daniel Viveiros®/Out2006