BOJUDINHA GOSTOSA
É o tempo que passa, e memórias que se acumulam. No meio de tantas, usamos alguns subterfúgios procurando mantê-las vivas dentro de nós. Sempre que posso, procuro deixar na geladeira, algumas garrafas de cerveja escura, da marca Caracu. Vira e mexe estou abrindo uma, não mais que uma; apenas pra reavivar lembranças de um período em que era ainda garoto, entre doze e dezesseis anos.
Meu pai era farmacêutico e geralmente tínhamos que levar o almoço dele; alternávamos, eu e outro irmão. Em um determinado dia, no meio da semana, havia pouco movimento e ele podia se ausentar da farmácia com mais tranqüilidade. E esse dia da semana tornou-se quase que sagrado, uma volta pelas redondezas, pelo mercado. Eu, do tipo calado, reservado, tímido, e meu pai, como todos diziam, falava mais que o “homem da cobra”, sempre brincando com todos. Íamos de loja em loja, conversando com as atendentes, com meu pai me oferecendo às belas moças; ta certo que eu era bobo e não ia no embalo e aproveitava pra dar cantadas mais objetivas, mas também não reclamava das brincadeiras, até gostava. Algumas mais atiradas viam que eu ficava sem jeito, se aproveitavam, me beijavam, se divertiam – e eu também. Bom, enfim, era sempre assim. Lá íamos, a uma lanchonete aos fundos de um supermercado, ou à lanchonete do mercado municipal. O vento decidia nosso destino na hora.
Ao chegarmos ele sempre me perguntava o que eu queria beber. Eu sempre pedia uma coca ou guaraná. Ele sempre dizia: - Está bem – e virava-se pro atendente - Traz duas caracus, por favor, uma pra mim outra pro meu filho aqui.
Era proibido, mas meu pai era muito conhecido e respeitado por todos ali. Ninguém se opunha. E enquanto garoto não adquiri o hábito de beber. Fora dali meu pai não permitia. Era gostoso pela situação.
E lá vinham as duas garrafas, daquelas antigas, bojudinhas, geladinhas. Ali, ele sempre contava uma ou outra história, quase sempre repetida, não importava. Que delícia era.
Terminávamos, mais uma volta pelo mercado e eu ia pra casa, ou pro campinho, jogar bola, ele voltava pro farmácia.
Hoje dou preferência às long neck por serem as de formato mais próximas do daquelas antigas. Minha esposa não gosta, mas sempre que posso abro uma. E nunca bebo sozinho porque as lembranças sempre afloram a me fazer companhia.
Ta me batendo uma saudade agora...
Uberaba, Minas Gerais, manhã de 24 de novembro de 2012.