COMO EXPLICAR?

e souza

Minha irmã Sã (vou chamá-la assim), quando menor dizia que via um homem de chapéu que entrava pelo corredor de casa ia até a sala e lá colocava as duas mãos, uma em cada orelha e dava um tranco para cima e arrancava a própria cabeça e a colocava em cima do piano. Eu não entendia direito aquilo tudo, porque nós não tínhamos piano em casa. Anos depois nosso pai Manoel Thomaz deu de presente a ela um belo instrumento J.S.Back, foi aí que comecei a desconfiar daquela história do sujeito que tirava a cabeça e punha em cima do piano. Ela jamais admitiu, mas penso que era puro truque. (penso que devia ter feito o mesmo para ganhar algo, mas agora já foi). Ela começou a frequentar aulas de piano clássico e hoje é pianista de mão cheia, a professora era a Senhora Lia. O fato é que ninguém mais colocou a cabeça em cima do instrumento. Meu tio Nicanor, que morava em Santa Cruz do Rio Pardo, interior de São Paulo, contava que toda a manhã ia até a cocheira e encontrava os três cavalos com as crinas e rabos embaraçados, ele dizia que eram tranças e garantia que era o saci perere, e eu acreditava. Mais tarde descobri que os culpados eram os morcegos e o coitado do saci pagou o pato. Um conhecido que era taxista, numa noite vindo do centro para o bairro em São Paulo colheu um passageiro que iria também pra a zona sul e vieram conversando o trajeto todo. O homem falou da vida, contou sobre seus filhos, dos netos e em especial de uma das netas que havia nascido há poucos dias, mas que ainda não tivera tempo de vê-la. Nesse momento rolou uma lágrima impune. A conversa era tão boa e elegante e ele era tão simpático que meu amigo veio devagar, certamente curtindo o papo. Aquele senhor de terno marrom claro, gravata bege com bolinhas azuis e camisa branca passava uma enorme tranquilidade, uma sobriedade e sabedoria impar. Fazia muito tempo que não atendia um passageiro tão bem articulado e que comentava com sabedoria qualquer que fosse o assunto. Mas como tudo que é bom dura pouco, após vinte minutos chegaram ao destino, o passageiro pediu para que parasse em frente de um hospital que existia na Avenida Jabaquara. Ele desceu e pediu para que esperasse um pouco, e caminhou lentamente portão adentro do lugar. Dez minutos depois o taxista já estava pensando: (como fui tolo perdi minha última corrida). Por ser tarde da noite o único acesso permitido no hospital era pela sala de velórios. Havia muitas pessoas lá dentro, ele entrou na sala e procurou rosto por rosto e nada de encontrar o tal homem. Antes de sair da sala foi até perto do caixão e ali jazia um senhor de camisa branca, gravata bege com bolinhas azuis e terno marrom claro que estava sendo velado havia quatro horas. Foi na verdade seu último passageiro àquela semana. Explicar o inexplicável é bastante incômodo para muitos, sobretudo para outro conhecido que vinha andando por uma rua de seu bairro e observou que em sua direção vinha uma mulher que o olhava fixamente e ao chegar bem perto o cercou como se cercasse frangos e disse: “vocês são todos iguais mesmo!” Assustado perguntou: - A senhora está falando comigo?! “to falando com todos vocês.” Ele voltou-se para os lados e não havia ninguém. – A senhora está vendo mais alguém aqui?! “fiquem em silêncio que eu vou dizer tudo que está prezo na minha garganta.” – Mas... “olha aqui, sem mais nem menos, vocês vão ter de me ouvir e não adianta você escapulir.” Ele entendendo que se tratava de uma pessoa que não estava em seu estado normal ponderou: - Não seria melhor que a senhora falasse com cada um de “nós” em particular? “não.” – Quem sabe falando com cada um em separado seria menos estressante e “vocês” possam se entender melhor. Não é por nada não, mas acho que “nós” não vamos nos entender e... “eu vou explicar o que vamos fazer.” – Sabe moça, eu estou com um pouco de pressa, a senhora fica aqui e explica pra “eles” e depois me acha e tudo bem. Combinado? “não tem nada de combinado, tentei por várias vezes e não encontrei ninguém.” Ele num gesto de solidariedade olhou para trás e reclamou: - Seis são tudo desunido mesmo! Acho uma sacanagem o que tão fazendo com a senhora e então to indo... “não vai não, eu duvido que você depois fale comigo.” E ele pensou: (eu também). – Então pessoal vamos todos para o boteco beber uma cervejinha gelada e bater um papo. Eu estou indo e se “vocês” quiserem beber algo me encontrem no bar. Desviou-se da mulher e seguiu seu rumo, mas não deixou de seguir pensando na pobre mulher: (Meu Deus, como pode uma mulher nova, tão bonita, inventar tais histórias? Não podia andar só por aí...). Entrou em uma lanchonete sentou-se à mesa e fez seu pedido. O garçom atencioso anotou e em seguida olhou em volta da mesa e perguntou: “e para os senhores?”.

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E Souza
Enviado por E Souza em 23/11/2012
Reeditado em 26/07/2014
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