APRENDE-SE COM MOTIVAÇÃO (Por ventura onde estão meus amigos?)
Tinha um cigarro entre os dedos, atitude esta repugnante para mim; não para ela, pois agia tão naturalmente que não se dava conta que estava sendo alvo de meu julgamento hostil. Então veio em minha direção, sentou-se gentilmente ao meu lado, pareceu-me muito tímida pela maneira acanhada que me cumprimentou, continuei observando discretamente seu comportamento, sua cabeça virava-se de um lado para outro, de baixo para cima com frenesi. Foi por isto que deduzi: pelo seu olhar descomprometido com qualquer alvo fixo, procurando algo; então somei coragem para dirigir-lhe a palavra, mexi-me na mureta onde estávamos assentados, em um ponto de ônibus. Para tanto, retomei o espaço o qual ela criara entre mim e ela para não me incomodar com a fumaça; fiz uma aproximação sutil e lhe perguntei:
— Como aprendeu a fumar?
Agora controlada por outro espírito, com o olhar voltado para baixo em contrição, como quem precisava se confessar; respondeu com palavras que pareciam não querer sair de seus lábios, pois vinham de um passado muito mordaz:
— Foi participando de rodas de amigos, nas quais brincávamos de quem segurava mais a cinza na ponta do cigarro, quem a deixasse cair primeiro pagaria uma prenda. Eu era sempre quem perdia, não sabia fumar, a certa altura me engasgava com a fumaça e tossia muito, então tinha que pagar a prenda, era um pacto sério entre nós! Quem não satisfizesse o contrato seria cortado do grupo. Por essa razão, o perdedor ficava sujeito a um sorteado do grupo para fazer o que ele quisesse. Se uma menina perdia, sorteava-se entre os homens; se um menino perdia, sorteava-se entre as mulheres; a verdade é que quase sempre terminava em “transa”. Elas estavam acostumadas “naquilo”, eu não, tinha só treze anos naquela época, e perdi minha virgindade à vista de todos. Olha, mas eu não culpo meus amigos, apesar de ter herdado o vício e hoje sentir dores nos pulmões, ainda fui infeliz em meu casamento, devido aos meus desajustes psicológicos, enganava meu esposo muitas vezes quando fugia para as rodas licenciosas. Eu era mesmo uma viciada. Ele, porém, não era daquilo, era um homem comedido. Agora só me resta lamentar duas dores vizinhas em meu peito: dói os pulmões e o coração. Ultimamente estou frequentando uma “célula”, lendo a Bíblia e orando muito. Já abandonei tudo de errado! Para eu viver melhor só me resta abandonar o cigarro. Você não merece respirar fumaça, e a “fumaça” de minha boca!
Terminava de falar quando chegou sua irmã menor, era uma criança de aspecto bem diferente, duvidei que, de fato, fosse da mesma família, tinha tez e olhos claros, mas me apresentou e disse que era ela a razão de sua inquietação naquele momento, pois estavam sozinhas e precisavam chegar em casa em paz. Então desejei-lhes essa paz que tanto almejavam; no momento da despedida, acrescentei-lhe uma promessa:
— Sua história será contada a muitas pessoas por algumas gerações para falar do bem que você me fez, mostrando-me o poder da transformação, quando eu já contava que o meu seria um caso perdido.
Apenas me agradeceu com uma entonação de dúvida, ela não entendeu que eu falava de minha consciência pesada, porque contemplava nela o cachorro que fugia do vômito, e eu, o cachorro que voltava ao vômito. Presenteei-lhe um livro, na tentativa de merecer suas orações. Neste momento, confirmo mais uma vez a veracidade do pensamento que não existe coincidência, existe sim providência.