Crônica - O professor pode se meter na vida de um aluno? "Uma experiência em sala de aula"

Era uma nova turma da manhã. Sempre gostei de conhecer os projetos, os sonhos, os objetivos de cada aluno nos primeiros dias de aula. Investigando, brincando com eles, cada um ia se mostrando. A maioria estava lá porque os pais queriam que ele continuasse o negócio da família. Outros pelo próprio sonho. Outros nem sabiam o que lá faziam. Identificado o perfil, fomos adiante.

Havia uma aluna que sempre se mantinha distante. Quieta. No seu mundo criado ao redor de uma cadeira num canto da sala. Sempre no mesmo canto. Dias se vão e eu de olho nela.

Tentei inseri-la no contexto da aula e nada. Os próprios colegas justificavam. Falavam:

- “Ela não vai, professora”.

- “Não adianta não.

- “Ela é assim mesmo”.

- “Ela não consegue falar na frente”.

O que eu via era uma pessoa se escondendo dentro dela mesma, como se fosse uma “avestruz” ou uma “tartaruga no seu casco”.

Sempre ia embora pensando como sensibilizá-la, como ajudá-la a curtir o curso, a fase que estava. A fase de faculdade, geralmente, é marcante para uma pessoa. Descobrir o mundo profissional. Definir com o que quer trabalhar.

Após a primeira avaliação surpreendi-me com a aluna “avestruz”. E descobri o primeiro caminho para me aproximar.

Na revisão de prova fiz comentários e explicações complementares “, claro, aproveitei a oportunidade para elogiar a aluna “difícil”. A classe olhou para ela e “brincaram”, outros “zombaram”, outros só “olharam”. Retomei a revisão e fiz o mesmo com outras boas respostas de outros alunos.

Depois, chamei-a, mostrei os meus comentários, e disse a ela que estava feliz e surpresa ao ver o seu desempenho. E que agora eu queria que ela participasse mais na sala e compartilhasse com a classe o seu pensamento.

Claro que ela se recusou. Queria continuar na sua zona de conforto.

Durante a semana ela permaneceu distante. Deitando sobre a carteira, como uma “avestruz”, respondia a chamada e só.

Algumas vezes conversava com ela no final da aula. E ela ao mesmo tempo indiferente e curiosa, me ouvia. Ao perguntar se ela estava com algum problema que talvez eu pudesse ajudar, ou então que procurasse ajuda.

Virou-se e me perguntou:

- “porque se importa?”

Chocada, respondi: “porque acho que está precisando de ajuda. Você tem idade para ser minha filha e eu tenho filhos morando fora, estudando também, e se eles precisassem de ajuda eu queria que tivesse alguém se os ajudasse.” Foi a única coisa que me passou pela cabeça.

Conversamos mais um pouco e fomos para nossas casas.

Passaram-se uns dias e ela dizia que não conseguia participar na sala, que ficava apavorada, com sentimento de não dar conta, e que não queria mesmo.

Mais uns dias se passaram. A sala estava vazia quando cheguei na porta e ela estava sentada no corredor. Olhou-me e disse:

- “Professora, aquele dia que você conversou comigo eu queria me matar”.

Tummmmm. Aquilo veio como um soco, tamanho susto que levei. Respirei fundo para me acalmar e para saber o que ia falar. Eu imaginava que aquela menina/moça/mulher estava com algum problema. Mas, nunca pensei que seria tão grave.

A única coisa que consegui falar foi:

- “Pode contar comigo. Vou te ajudar.”

E ela abriu seu coração. Disse-me que morava com os avós e que entrava e saia de casa sem atenção deles. A família morava no interior e ela veio para cá estudar. E sempre tinha comida, casa e roupa lavada. Não tinha atenção. Não tinha com quem conversar.

Enquanto ela falava a minha cabeça procurava um encaminhamento. Pensei que se tratava de depressão e propus que ela fosse a um médico para avaliação. Ela aceitou e também aceitou conversar na coordenação. Houve encaminhamento para a clínica de psicologia da faculdade. Acompanhei o seu atendimento ao médico, ela no seu carro e eu no meu. Tentei tomar todos os cuidados para não invadir mais a vida dela.

Já havia brilho novamente no seu olhar. A cabeça não ficava mais sobre a carteira. Conseguiu participar em grupos pequenos.

Semestres seguintes eu a acompanhava de longe. Sem invadir. Próxima o suficiente para ela saber que eu estava por perto se precisasse.

Eu a vi saindo de uma sala de aula, feliz, comemorando que tinha defendido a sua monografia e veio em minha direção e me deu um abraço. Nada precisava ser falado.

A minha cabeça não precisava buscar uma resposta. Só meu coração experimentava muita alegria.

Refletindo: “o professor pode se meter assim na vida de um aluno?”

Rosa Destefani
Enviado por Rosa Destefani em 23/11/2012
Reeditado em 23/11/2012
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