Quase

Numa dessas reviravoltas que a vida dá, Pedro se viu em frente à barbearia do centro sem um tostão no bolso e perdido que nem cego na Líbia. Vontade de morrer. As coisas já não saíam como esperado fazia tempo e tudo que lhe restava era a habilidade de barbeiro ou cabeleireiro, nome que depende da época. Barbearia também de vez em quando é salão, depende da cor da parede e se é revista ou jornal. Ah! Em salão também não se conta mentira, só aumenta o fato.

Pedro teve o insight, a visão, o despertar. Seus olhos por um instante enxergaram além e pôde traçar todos os seus futuros passos. Parecia contar as moléculas e dominar cada sopro de existência a sua volta. Parece filme, mas foi assim. E nem era efeito de aguardente, já que nas terças não se bebia. Entrou e perguntou sobre emprego, saiu e assuntou sobre o tempo.

Seguiu ladeira abaixo, mas com uma ideia diferente a cada ladrilho percorrido. Novo homem, breve se intitulava de gravata afrouxada, chapéu na mão e passos mais largos. Pensou em se apresentar ao imperador para uma exibição de intelecto que talvez despertasse algum interesse em serventia para o gordo. Tomou rumos do palácio quando ouviu de longe um ruído.

Saiu trombando entre bacias e baldes, arrebentando varais, guiado pelo ringir das rodas de madeira e ferro pelas pedras da avenida principal. A carruagem do imperador. Já podia imaginar os cumprimentos e reverências até chegar à praia. Pulou mais dois muros, derrubou algumas coisas, arranhou-se dando no Beco da Aurora para presenciar uma carroça de ossos que nem se parecia com o glamour da realeza. Enganou-se assim outras vezes, mas no amor.

Foi importante por alguns minutos e agora nem mesmo se lembra de como cortar cabelos. Se fosse hoje, talvez virasse escritor. Que bosta!