Memórias mornas

Mirabolante ser dotado de sagacidade extrema com os olhos iluminados, sentiu temperatura elevada ao rasgar jornais entrando em passos largos no teatro reservado ao ensaio. Gritou em latim, como se fosse um padre em desespero. Gargalhou. Mandou uns pro inferno, fitou olhares propondo aliança para outros e quando a atmosfera do ambiente já o pertencia, agradeceu a atenção e caiu de frente as treze testemunhas presentes. Doze, o zelador se dobrava na tentativa de acender um Minister amassado.

Carlos Soavedra, o chileno que nasceu em Nantes (hã?).

Trabalhava no cartório da Av. Candeias e dormia no Grand Hotel. Pensão de 8 quartos apenas que tinha esse nome por conta de um filme americano da década de 50.

-Morreu?

-Acho que não.

-O que ele falou?

-Tá dormindo?

-Era italiano aquilo?

-Deve estar bêbado!

-Mas ele não bebe gente! Cutuca ele aí!

O silêncio tomou conta por alguns instantes até ser quebrado pelo chefe de polícia chutando a porta principal perguntando por Carlos em tom nada amistoso.

-Tá aqui, parece que morreu.

O chefe posicionou dois dedos na artéria de Carlos e constatou a morte.

-O desgraçado está morto! Todos pra fora por favor!

-Como assim? Infarto?

-Vou avisar a família.

-Hey! Psiu! Moço! Ele não tem família.

-Mas todo mundo tem. É filho de chocadeira?

O chefe começou a interrogar um por um de improviso e chegaram a conclusão de que todos sabiam quem era Carlos, mas ninguém o conhecia de verdade.

-Você aí. Conhece alguém próximo dele?

-Não senhor. Não tenho informação nenhuma. Só tomo algumas cervejas com ele de vez em quando.

-Então ele bebe?

-Ué...bebe...nesse caso, bebia.

-A senhora que estava logo atrás do chefe colocou os óculos e perguntou:

-É o argentino da pensão?

Nisso Carlos se levanta enfurecido:

-É chileno! Chilenooo!! Chilenoooooo!!!

E sai pela porta da frente novamente em passos largos.

Silêncio geral.

Perplexos, trocavam olhares sem entender nada.

O zelador que acabara sua guerra com o fósforo, avança alguns passos, traga o cigarro, olha em volta:

-E aí? Morreu ou não?