Escritor Fantasma
Não é à toa que os dois artistas mais admirados por mim : Caetano e Chico Buarque. Caetano só pelo Sampa não precisaria ter feito mais nada. Mas escreveu também o livro Verdade Tropical, depoimento histórico sobre o MPB. E Chico não bastasse a música Quem te viu, quem te vê, escreve entre outros livros, Budapeste. Um até foi transformado em filme. O mais recente é a história de um escritor fantasma – ghost writer- isto é, aquele que escreve discursos, contos, romances para outros, recebendo pagamento por isso. É o seu meio de vida. Nesse livro encontrei uma palavra que há tempo não a via: crooner. Hoje em dia se diz vocalista. Mas antigamente era crooner da orquestra, crooner do conjunto.
Aproveito o livro do Chico como mote para relatar a minha experiência em escrever para outros, auferindo algum rendimento. Discursos eram o que mais escrevia pelas diversas cidades em que passei. Numa delas, fui contratado para escrever artigos sobre os mais diversos assuntos e o suposto autor publicava-os como seus no jornal local. Cartas às redações questionando assuntos absurdos em diversos diários da capital. Além de discursos políticos para uso em campanha eleitoral. Ele foi eleito vereador com boa votação. Não digo o nome da cidade por questão ética. Ele está ainda atuante na política.
Em certa cidade, um empresário foi eleito dirigente de uma associação importante. Veio pedir pessoalmente para fazer o discurso de posse, afirmando não dominar bem a língua portuguesa, e pedia o máximo de sigilo. O teor do discurso ficava a meu cargo. Quando fui entregá-lo perguntou-me o preço e disse que pagaria depois, já que futuras encomendas estavam em seu plano. A próxima encomenda foi sua funcionária que trouxe e veio buscá-la. Na quinta vez, disse a ela que gostaria de receber pelos serviços já prestados. O trabalho seguinte era para ser lido na inauguração de uma filial na cidade vizinha. Todo mundo sabia que o empresário tinha uma amante naquela cidade. Aliás, bem bonita e jovem. Até brincavam dizendo: vai abrir outra filial na mesma cidade.
Perco o cliente, mas não perco a piada. Não é o meu lema. Nunca foi. Mas porque ele já me devia um bom montante e não fazia a mínima questão em pagar, pensei em me vingar com uma pequena brincadeira.
No ato da inauguração toda a sua família estava lá. E demais pessoas da política e da classe empresarial. O discurso estava até bonito. Copiei muitos trechos de um livro famoso na época sobre oratória do prof. Castelo Branco. Para surpresa do orador o final causou certo mal estar geral. Aplaudiram em silêncio como se fosse oração fúnebre, apesar de certos sorrisos maliciosos em muitas caras. O que escrevi foi apenas: espero que esta filial ora inaugurada , traga-me muitas alegrias e muitos lucros, porque a outra só me tem causado muitas despesas, se bem que também muitos prazeres. Não fiquei para o coquetel. Saí de fininho.
No dia seguinte recebi um cheque como pagamento. Nunca mais houve outra encomenda.(Crônica publicada em junho/2004).