Luz, câmera, prisão

Foi lá em frente ao cemitério de Havana quando Fidel Castro entoava um de seus famosos discursos longos. Fidel era assim. Se o pegassem depois do almoço, barriga cheia, sem compromisso agendado, podia esperar que enquanto o sol estivesse quente o homem falava.

Naquele dia tinha muita gente. Guevara de braço quebrado e mais alguns bigodes desconhecidos. Papagaio de pirata, manja? Todo mundo ali pra aparecer na foto. Alberto Korda dava uns 300 cliques por segundo. Rápido no gatilho. Foi nesse dia que capturou a famosa foto do guerrilheiro que estampa a bandana do seu sobrinho.

Na última hora, antes de começar o discurso questionaram sobre um cinegrafista. Alguém pra registrar o evento. Sentiram que aquele momento iria entrar pra história e merecia um registro audiovisual. Não tinha ninguém disponível.

Garcia, o chefe da guarda pessoal de Fidel resolveu o problema e mandou chamar seu cunhado Alfredo que possuía uma câmera e arrotava a incumbência de cinegrafista amador. Era a chance dele.

Atendeu com presteza o chamado, vestiu a camisa de botão e zarpou para o cemitério. Já chegou com a câmera no ombro pra não perder nada. Fazia até pose de cinegrafista. Um olho fechado, passinho de ninar bebê e as vezes até agachava pra enfatizar a maestria com o equipamento.

Quando se aproximava as 2 horas de gravação Alfredo deu um grito acenando para Fidel:

-Espera!! Calado senhor! Preciso trocar a fita!

Fidel olhou espantado para Alfredo, silêncio constrangedor. Respirou fundo e respondeu:

-Mas é claro! Me desculpe meu bom rapaz. Pode trocar a sua fita que espero.

Mario! Venha aqui! Leve o rapaz para trocar a fita.

-Sim senhor!

E saiu com Alfredo tomado pelo braço abrindo espaço entre a multidão.

Alguns minutos depois volta Mario com a câmera, continuando a filmagem.

Garcia deu falta do cunhado e perguntou a Mario:

-Onde está Alfredo? Por que você está filmando no lugar dele?

Mario sem tirar o olho da câmera:

-Oi? Seu cunhado? Ah sim! Impressionou que era profissional.

-Como assim?

-Foi pra Los Angeles.

Esse texto é uma obra de ficção, sem qualquer compromisso com pessoas, datas, lugares e fatos históricos