DANÇA DA CHUVA
Todos os que tiveram a oportunidade de assistir a um filme de cowboy, devem lembrar-se dos índios norte americanos dançando em torno de um totem esculpido num tronco de madeira com formas de pássaros, lobos, ursos etc.
Assim como jamais esquecerão aquelas formas coloridas de asas, bicos de águia e olhos grandes, de forma imponente, que representavam as forças da natureza que, invocadas nessas danças, socorriam os pobres mortais, sedentos, famintos, cujas ofertas, pobres tanto quanto os devotos, eram consumidas pelas chamas da fogueira cerimonial e a fumaça se elevava bem acima das cabeças enfeitadas com cocares de penas vistosas, símbolo de força, coragem e acima de tudo dignidade.
Diante do inusitado da cena, muitas vezes nos perguntávamos como podia uma pessoa, pensante, acreditar naquela bobagem?
Que coisa mais sem sentido!
Que relação poderia haver entre um bando de homens, dançando e cantando algo ininteligível, com vozes roucas e passos cadenciados, com a formação das nuvens e a consequente precipitação da chuva?
Mas aceitávamos, principalmente, por ser uma cultura completamente diferente, a qual, naquele tempo, considerávamos “inferior” à nossa.
Eles eram os povos das “peles vermelhas” e nós os neoeuropeus, em tudo, superiores.
Diante do atual estágio da evolução científica e da prática religiosa nos perguntamos até que ponto a crendice e a superstição podem embalar a ação (ou reação) no ânimo do ser humano, visto que, aquelas cenas da dança da chuva, representavam uma cultura de duzentos anos atrás e hoje, com todo avanço tecnológico, ainda assistimos os flagelados da seca no Nordeste do Brasil, homens, mulheres e crianças, juntos em procissão, que nada mais é do que uma versão da dança da chuva, carregando nos andores, os totens antropomorfos de madeira ou gesso, apelidados de santos, cantando, com velas acesas nas mãos, pedindo que aconteça o “milagre” da chuva.
Apesar de estarmos no século XXI, continuamos presa fácil da religiosidade alienante que condena as populações ao desconhecimento das modernas tecnologias, pela vigilância dos “donos” das multidões pobres de cérebro e de estômago.
Semana passada eu tive a oportunidade de rever a dança da chuva.
Não mais aquela protagonizada pelos comanches, sioux, apaches, moicanos porque esses povos das “peles vermelhas” foram dizimados pelos pioneiros “cristãos” que levaram o progresso ao Oeste norte americano.
A dança mostrada na televisão brasileira é um desfile de espectros, famintos, esquálidos, analfabetos carregadores de andores onde pequenos deuses, apelidados de santos católicos, são entendidos como elo entre o “onipotente” e o ser humano que, por ver exauridas todas as esperanças, se apega à ilusão de uma prece coletiva para trazer a chuva benfazeja que fará reflorescer a vida nas terras calcinadas do sertão nordestino.
Conviver com o fenômeno das secas periódicas não é travar uma luta quixotesca com o bioma Caatinga, mas de por em prática toda tecnologia, testada e aprovada de convivência do ser humano, dos outros animais e dos vegetais, com as condições adversas.
Israel e Emirados Árabes são apenas dois dos muitos exemplos do que se pode fazer para que povos de regiões áridas e semiáridas tenham uma vida digna.
Mas a corrupção endêmica e o descalabro da impunidade são nossos maiores males.
Por causa delas, não temos escolas, nem estradas, nem distribuição de renda, nem governantes honestos, nem projetos sérios através dos quais as tecnologias cheguem aos locais onde as populações de seres vivos estejam vulneráveis aos fenômenos naturais.
É mais cômodo fechar os olhos, receber as propinas, pensar no imediatismo do enriquecimento meteórico e ilícito, vestir a máscara da hipocrisia religiosa e creditar todo sofrimento a um deus perverso que, por ser pobre de imaginação, condena sempre à morte, todos os personagens da ridícula comédia cuja autoria lhe é atribuída.
Afinal, como dizem as escrituras, Fiat voluntas tua!