figos e afagos
Figos e afagos.
O cheiro é o maior condutor da saudade. Transporta-nos aos tempos de felicidade. Presenteia-nos com as mais belas recordações de nossa infância. . Abacaxi e figo remetem-me aos tempos de Natal, na casa de minha avó Benvinda. Um pé de figo carregadinho no quintal. Das folhas, ela extraía o licor – o mais delicioso que já experimentei. Nada comparável. De buquê suave e saboroso. Da fruta verde, as mais deliciosas compotas, ou figos cristalizados, secos ao sol na peneira de arroz. Na velha casa construída com as mãos calejadas de meu avô Francisco e seus filhos, o quartinho aos fundos, equipado com fogão à lenha de cimento e vermelhão. Tacho de cobre. Gravetos do quintal. Cacos de telha – porque assim ela os limpava. Colocados dentro de um saco limpo. Esfregava-os no tanque, como uma roupa suja, até soltarem todo leite e o pelinho da casca. E o cheiro doce ia embriagando o recinto. Penetrava as narinas de toda a vizinhança- -Aí tem doce de figo dos bons, diziam eles. Sinto ainda hoje o cheiro da felicidade. Da simplicidade. Vovó era doceira de mão cheia. E ensinou minha mãe. E a mim também. Com ela aprendi a fazer todos os doces de fruta: pêssego, mamão, laranja, cidra, abóbora. O de figo era o mais trabalhoso. Três dias para ficar pronto. E ficavam maravilhosos. Com sabor especial: do amor.
Tentando imitá-la, sempre nesta época, faço os meus também. Nem espero o advento. Faço, uma, duas, três vezes. Pertinho do Natal, faço novamente. Não me perguntem a receita. Faço tudo a olho. O segredo? Açúcar e afeto.
Benvinda Palma