Funkeira Religiosa
Melissa acorda atrasadíssima para o trabalho que fica do outro lado da cidade. Levanta da cama e vai correndo para o banheiro tomar banho e escovar os dentes. Rapidamente se veste passa creme no seu cabelo afrodescendente, amamenta o seu filho de dois meses e o deixa na creche que fica próxima ao ponto de ônibus onde ela o toma para ir ao serviço.
Têm apenas dezenove, mas já é mãe de cinco filhos e os cria sozinha, somente com a ajuda das bolsas que o governo oferece. Está com o pé todo rachado de tanto dançar ao ritmo do “tamborzão”. A noite havia sido boa, mas provavelmente ficará grávida e outra vez não saberá quem é o pai. Melissa era molestada pelo padrasto desde os seus nove anos de idade, aos doze teve o primeiro filho. Após acusar o padrasto foi expulsa de casa e hoje se vira como pode. Às vezes no fim do mês quando o dinheiro aperta coloca o seu vestido mais curto e sai pelas ruas conseguindo dinheiro “fácil”.
É religiosa, embora não frequente a igreja. É devota de Nossa Senhora Aparecida, mas não se sente digna para se confessar.
Melissa sonha em ser rainha de bateria da Portela, sonha também em dar um futuro para os seus filhos. Trabalha como doméstica nos dias de semana. Quando está sozinha no quarto gosta de ouvir sertanejo de raiz, mas é tudo bem escondido, pois isto é quase um crime para as amigas da comunidade. No seu íntimo chora no escuro todos as noites por conta da vida miserável em que vive, porque ainda se sente uma criança, porque foi rejeitada pela mãe, porque é uma mulher negra, pobre e invisível na sociedade capitalista. Ela não sabe exatamente como se expressar, mas ela sente tudo, sofre calada, e a única coisa que ela tem grandiosa é a fé.