De Zumbi dos Palmares aos zumbis populares

De Zumbi dos Palmares aos zumbis populares

Jorge Linhaça

No século XVII, Zumbi dos Palmares surgiu como grande líder em busca da liberdade. A organização do quilombo dos Palmares e a sua resistência heróica durante anos a fio, tornou-o o mais famosos de todos os quilombos e a Zumbi, o herói da comunidade negra.

Claro que o problema da escravidão não se resolveu ali.Assim como não resolveu-se na revolta dos malês, nem na revolução dos busios e etc.

Quando tornou-se politicamente insustentável manter o escravagismo no Brasil, o problema foi resolvido com uma canetada de uma princesa branca.

Sejamos francos, não interessava à sociedade brasileira um negro para ser lembrado como herói da abolição.

Mesmo nas letras, Castro Alves, branco, foi denominado como "poeta dos escravos" enquanto Luiz Gama, negro, ex-escravo, ficou relegado a figurante na história.

Manter o negro na condição de subserviente deixou de ser uma questão de grilhões ou de castigos corporais,ao invés disso, criou-se o estigma de que os negros foram incapazes de consquistar a própria liberdade e deviam o fim da escravidão às benesses de brancos benevolentes pelos quais deveriam nutrir eterno sentimento de gratidão.

Claro que isso interferiu no desenvolvimento da auto-estima de inúmeras gerações posteriores, embora, volta e meia, alguém erguesse sua voz em defesa da cultura afrobrasileira.

O samba, por exemplo, sempre foi marginalizado até que alguns brancos começaram a se encantar com seu ritmo e difundi-lo em outras rodas sociais,

Podemos dizer o mesmo, guardando-se as devidas proporções, sobre o hip hop, o funk e o axé.

A questão é saber dimensionar o quanto isto foi prejudicial ou favorável aos afrodescendentes.

Há quem defenda que nosso país é racista,eu discordo, acredito que nosso país é muito mais classista que qualquer outra coisa.

O velho discurso de que os brancos são a classe dominante esbarra na realidade nua e crua de que existem muitos brancos pobres.

A grande questão a ser analisada e compreendida é que, sejam brancos ou negros, ou pardos ou amarelos, ou qualquer outra cor, os seres humanos só conseguem destacar-se dos demais ou igualar-se a um patamar acima do seu, quando desenvolvem a sua auto-estima.

Infelizmente, nem sempre aqueles que desenvolvem essa auto-estima e conseguem galgar alguns degraus na escalada da vida, estão dispostos a mostrar o caminho das pedras para seus semelhantes, na verdade, muitas vezes preferem é puxar tapetes para evitar a concorrência.

A grande verdade é que hoje vemos multidões de zumbis ( mortos-vivos) caminhando pelas ruas à espera de um milagre e ao mesmo tempo acomodados com sua situação,sem o real desejo de mudar a sua realidade.

O comportamento de manada tolhe os movimentos de quem, em algum momento, sonhou com dias melhores. A aceitação de sua condição estagnada leva ao condicionamento grupal de que tá bom assim, podia ser pior.

Esse mesmo comportamento "tribal" faz com que as pessoas se contentem com pequenas "alegrias" ou "regalias" como aquela cervejada com os amigos, aquele churrasco na laje, aquele show de artistas populares ou a torcida pelo time do coração. Não podemos esquecer as novelas alienantes e outros programas inúteis.

Na verdade, mesmo alguns que ascendem ao posto de celebridades instantâneas ou famosos, deixam de perceber o quanto o seu "sucesso" pessoal poderia ser usado para pavimentar o caminho para aqueles que permanecem lá atrás. Geralmente contentam-se em adorar aos próprios umbigos e, na ânsia de se manterem populares, contribuem para a alienação geral e a sedimentação do estado atual dos seus "fãs".

No meio musical isso é mais patente pois as letras de muitas "músicas" remetem à fixação dos instintos mais primitivos e desprovidos de razão que corroem a alma humana.

Musicas de cunho social ou critico, raramente "dão ibope" nas classes que mais carecem de desenvolver uma visão mais apurada da realidade.

Como tudo gira em torno do interesse financeiro ou dos aplausos fáceis, a maioria dos cantores se rende a não dizer nada em suas canções e os compositores cada vez mais rendem-se aos refrões fáceis e de duplo sentido,prestando assim um grande desserviço à sociedade.

Zumbi dos Palmares sonhava com uma sociedade livre e justa, criou seu próprio reduto, onde eram bem vindos negros e brancos, desde que seguissem as normas da comunidade.

Se podemos, de certa maneira, comparar as favelas e guetos atuais aos antigos quilombos, certo é que, ao invés de Zumbis, os mesmos estão sendo habitados por zumbis sem vontade própria, entregues à acomodação da falta de perspectivas, ao sentimento de manadas e à alienação resultante de tudo isso.

É preciso parar de encontrar desculpas históricas para o próprio imobilismo, é preciso despertar para o fato de que todos são capazes de encontrar um melhor caminho para suas vidas, mesmo que isso signifique ter de deixar para trás aqueles que nos ancoram em sua mediocridade.

Chega do discurso de coitadinhos, é hora de botar o pé na estrada do progresso.

Nenhum barco navega sem que se livre das amarras que o prendem no cais.

Salvador, 19 de novembro de 2012.

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anjo.loyro@gmail.com