UM VIGIA, UM RADIO E UMA BICICLETA
Meu primo construiu uma baita casa num bairro promissor. Acho que você sabe o que é um bairro promissor, é aquele nos cafundó do Judas, onde não mora ninguém, onde não vive ninguém, onde não passa ninguém, sem transporte público, sem água e sem luz, sem nenhuma infraestrutura, mas que o corretor jura de pé junto que é o melhor negócio que você pode fazer na vida. Daí você se sente muito esperto e compra duas quadras no bairro do futuro pagando no presente o preço que supostamente teria nesse dito futuro.
No embalo do sambista, meu primo cantava “É lá onde moro que me sinto bem”. Casa grande, em contato direto com a natureza, pântanos ao redor, raposas no quintal, cobras também. Á noite, todos os dias eram à luz da lua, velas candeeiros e lamparinas. Canto dos pássaros pelas manhãs, sapos e grilos à tardinha. Maravilhosas eram as revoadas de lindas curicas, afora revoadas de muriçocas e borrachudos. Lacraias, sanhaçus, escorpiões, pardais, caranguejeiras, galos de campina, cajueiros, cansanção, mangueiras. Bucólico!
Só para ficar mais tranquilo, após ser roubado trocentas vezes, contratou um vigia que nunca faltava, mas dormia. Depois outro vigia que não dormia, mas faltava quase todo dia. Depois outro que não dormia nem faltava, mas roubava. Por fim, outro que não dormia, não faltava, não roubava, mas cantava alto à noite inteira, só que a mulher do meu primo já não mais dormia, faltava um grau para enlouquecer todo mundo dentro de casa de madrugada e roubava a paz até dos bacuraus de toda região. Seleção de vigia era o que mais fazia, até que lhe indicaram um “do bom”, de se entregar ouro em pó na mão. Contratou.
No primeiro dia o sujeito chegou às cinco da tarde. De bicicleta e segurando um radinho de pilha. Meu primo achou o radinho tão pequeno que ficou certo que não faria maior barulho que os grilos. “Esse é do bom, com essa bicicleta não vai dar desculpa que não teve transporte e não vai faltar e com esse radinho colado ao ouvido não vai dormir um pingo”, concluiu satisfeito.
Às três da manhã, daquela mesma madrugada, ouviram-se batidos na porta e os gritos desesperados:
- Seu Paulo, seu Paulo, acuda, pelo amor de Deus.
Meu primo levantou ligeiro, correu para porta e perguntou:
- O que foi, homem de Deus?
- Roubaram meu rádio e minha bicicleta.