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O Dia em que conheci um anjo

Há muitos anos atrás, eu estava vivendo uma fase em minha vida que não era nada auspiciosa - pelo menos, assim me parecia naquela época. estava insatisfeita com meu trabalho, minha renda pessoal, meu relacionamento ia de mal a pior, e eu vivia doente. Eu não sabia que tudo o que estava acontecendo era fruto da minha própria atitude, criação de meus próprios pensamentos. Vivia a vida às cegas, achando que estava sempre certa e ignorando (ou combatendo) qualquer um que tentasse convencer-me do contrário. Resumindo: era burra. 
Naquele dia, eu tinha acordado sentindo-me pior ainda. Estava muito mau-humorada, a paciência por um fio, o coração disparado. Não sabia por que, mas um sentimento muito forte de ansiedade tomara conta de mim. Parecia um mau presságio. Minha vida não passava de maus presságios. Mas, especialmente naquele dia, eu estava mais ansiosa que de costume. Só queria que o dia terminasse e eu pudesse voltar para meu esconderijo, cobrir a cabeça e apagar até a manhã seguinte. Não sabia que o pior ainda estava por vir.
Era noite, e eu tinha concordado ir com minha irmã e meu cunhado até o centro da cidade, numa tentativa de me distrair e aliviar a ansiedade. Eles pararam em um posto de gasolina para abastecer o carro, e eu saí um pouco, e fiquei encostada no carro esperando. Naquele momento, eu parecia que ia explodir. Tentei concentrar-me nas coisas que aconteciam a minha volta, observando as pessoas que passavam, os carros que saiam e entravam, os frentistas trabalhando. Foi quando eu a vi.
Parecia ter entre oito a dez anos. Carregava uma caixa com balas, que oferecia as pessoas que estavam nos carros: "Boa noite! Quer comprar uma balinha para me ajudar?" O que chamou minha atenção, foi que o que ela estava fazendo não combinava com sua dicção perfeita, seu sorriso franco e aberto e seu ar inteligente. Ela não parecia, em nada, uma menina de rua, apesar do vestido simples e dos chinelos gastos. Tinha cabelos castanhos, que caíam em cachinhos até os ombros, pele clara, olhos brilhantes e atentos. Percebi que a maioria das pessoas comprava as balas que ela oferecia.
Mau humorada, pensei: "Tomara que ela não venha para o meu lado."
Mal acabei de pensar, ela olhou para mim e veio caminhando em minha direção. Ofereceu as suas balas ao meu cunhado, que comprou algumas, mas manteve os olhos fixos em mim a maior parte do tempo. De repente, ela se aproximou, olhando-me bem dentro dos olhos. Ficou assim por alguns instantes, e eu senti medo quando ela estendeu a mão e sem que eu esperasse, fez-me uma carícia longa e demorada em meu braço esquerdo. Não me ofereceu suas balas. Deu-me um sorriso um pouco triste, e depois de me olhar por mais um breve período de tempo, ela se foi.
Logo depois, em questão de minutos, meu mundo desabou devido a um fato terrível que me aconteceu naquela mesma noite. Toda a tensão finalmente explodiu, e achei que minha vida tinha acabado.
Alguns dias depois, eu estava sentada no sofá da sala, tentando colocar os cacos do meu coração no lugar e fazer sentido em minha vida. Lá no fundo de minha mente, embora eu tentasse combater a idéia, surgiam-me pensamentos sobre qual seria a forma mais rápida e indolor de morrer.
Então, eu senti uma carícia em meu braço esquerdo, e imediatamente eu me lembrei da menina. Não havia ninguém em casa comigo, as janelas estavam fechadas e o apartamento, silencioso. Não poderia ter sido uma corrente de ar. Senti, claramente, uma leve mãozinha passando sobre meu braço esquerdo.
Isso ainda se repetiu algumas vezes, durante as horas mais difíceis. Por estranho que pareça, deu-me forças para encontrar uma saída e tocar minha vida de novo.

 

Publicado no Recanto das Letras em: 21/08/2009 09:59:05
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 17/11/2012
Reeditado em 17/11/2012
Código do texto: T3990371
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