A foto dos Beatles

Vi os Beatles, pela primeira vez, em uma revista que apareceu na fazenda. Fora levada por uns parentes do Rio de janeiro. Não era uma revista dessas comuns, talvez fosse do meio musical, pois eu nunca havia visto outra semelhante. Esses parentes foram embora e a revista ficou.

Lembro-me de que a reportagem sobre esse conjunto ocupava as duas páginas centrais dela, com a foto do quarteto bem no meio. Lá estavam eles vestidos de terno verde desmaiado (existe isso?) Era um verde que parecia amarelo-oca (para quem já usou tinta Águia) e para quem nunca usou, seria amarelo-mostarda. A cor ficava entre esses dois tons e os ternos eram bem esmirradinhos, bem apertados mesmo. Os quatro tinham cortes de cabelos parecidos e estavam de pé em atitude de espera pelo flash do fotógrafo. Eu ainda não sabia ler e, por isso, prestava tanta atenção em todos os detalhes visuais...

Ouvi meu pai comentando:

— Veja quem está fazendo sucesso no mundo inteiro! Todos cabeludos... Olha se não estão parecendo moças?

Olhei bem para a foto e pensei: “Nem todos estão parecidos, mas este aqui dá para confundir”. Acho que era o Paul McCartney.

Meu pai continuou comentando, agora com um toque bem visível de ironia:

— Que falta de imaginação para criar nomes! Sabem o que significa beatles? Significa “besouro”. Será que a música deles é tão ruim que pode ser comparada com o zumbido dos besouros?!

Quando ouvi a palavra besouro, eu me lembrei logo da brincadeira do radinho. Nos postes de luz que havia no terreiro da fazenda, eles gostavam de fixar as suas moradias. Não sei se furavam os postes que eram de madeira (afinal não sou nenhuma entendida de besouros!) ou se simplesmente aproveitavam os buracos que havia lá. Gostávamos de pegar um graveto e tampar a portinha, simplesmente para ouvir os zoados deles. Era a brincadeira do radinho.

Um dia, eu me encontrava toda entusiasmada porque conseguira prender um besouro bem grande lá dentro. Fiquei chamando as outras crianças para ouvirem e pensava, toda orgulhosa, que o volume do meu radinho era o mais alto que até então já se ouvira. Obviamente, nunca deixávamos os pobrezinhos cativos. Era só um tempinho para ouvir a musiquinha. Tínhamos uma técnica, bastante estudada, para libertá-los. Destampávamos a portinha com muita agilidade e corríamos na posição de catar mamonas, ou seja com o corpo meio encurvado e no sentido oposto à casa do bichinho. Só que não tomei as devidas precauções ao tirar a tampinha da porta. Achei, com toda a minha boa fé, que ele ia sair voando no maior clima de olé-olé, tranquilamente, com a expressão de missão cumprida, ou melhor, de fim de espetáculo... Mas, não! Ele saiu zuando feito louco e me deu uma ferroada na parte interna do ante-braço. Logo na parte onde a pele é mais sensível! Como doeu! Depois disso, todas as vezes que ouvia um zoadinho de besouro, por mais fraco que fosse, saía em disparada. Quantas vezes desci do pé de jabuticaba quase de um salto só. Passei a fugir mais dos besouros que dos marimbondos e falava com os meninos:

—A ferroada do besouro dói muito mais que a do marimbondo-cavalo.

Seja como for, aquilo me dava uma pontinha de importância, afinal eu era a única da turma que havia experimentado a tal picada de besouro. Todos ficavam impressionados e minha prima arregalava os olhos. Ela sempre fora muito medrosa, tinha medo até de mosquitos (e isso no tempo em que não se falava no Aedes Aegypti).

Acho que estou desviando do assunto inicial... Eu estava falando dos Beatles. Por que mesmo os marimbondos e os besouros entraram nesta história?! Ah! É por causa do significado do nome da banda. Mas deixando os insetos de lado, continuarei a falar das minhas lembranças sobre os Beatles. Eu ficava olhando aquela foto e achava-os bastantes exóticos dentro daqueles ternos esmirradinhos com caras sonsas (principalmente o Ringo Star). Bem mais tarde, vim a conhecer a música deles e gostei muito. Fiquei fã de algumas delas. Não ouvi meu pai falar mais daqueles cabeludos. Afinal a moda se espalhou e difícil mesmo era encontrar algum que não o fosse.

Dos Beatles, eu só o ouvi falando mais uma vez. Mas dessa vez, ele não estava fazendo brincadeiras e, muito menos ironia, havia uma profunda reprovação em sua voz. Mas o motivo não era para menos. Imaginem só que absurdo que John Lennon havia falado: Ele disse: “O Cristianismo vai se acabar, vai se encolher, desaparecer. Eu não preciso discutir sobre isso. Eu estou certo. Jesus era legal, mas suas disciplinas são muito simples. Hoje, nós somos mais populares que Jesus Cristo”.

Sem comentários, não é mesmo?

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 16/11/2012
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