O gibi e o psicanalista
Estava devendo dois meses ao Dr. Raimundo Ramiro. Psicanalista é a melhor coisa do mundo aconselhava para todos. Faltar era a última idéia que lhe vinha à mente. Tomou coragem e partiu para o divã. O Dr. Ramiro lhe recebeu cordial e esquecido dos proventos. - Pois então Jorge, tentando vender gibi usado pela rede mundial de computadores? - Continuo, mas despecuniado. O que não quer dizer que não tenha crédito! Estou sempre recebendo promoção de cartão e sequer ouso aceitar. Quase cedera a proposta com caneta de brinde. - Fale sobre o seu “projeto de vida”, se me lembro “consiste em vender sua coleção de gibi para gravar o próprio Cd”. Que memória esplêndida Dr. Raimundo Ramiro! Longe de ser projeto para quem gosta de explorar águas profundas, como o trabalho do senhor, contudo é a minha meta. Preciso negociar meus gibis como Naziazeno e é mentira, estou mentindo. - Dr. Ramiro observava filtrando o teatro das mãos de Jorge sobre o rosto. - No caso de Naziazeno, personagem, tinha filho para alimentar, frisou atentamente. - Pois estou pobre como Naziazeno antes do filho, protestou. Não esperava tantas objeções para dizer ao mundo que possuía uma coleção de gibis e desejava transacionar. Quem quisesse que comprasse pelo preço designado. Era o seu peixe. Havia objeções e elas nunca faltavam na hora. Cadastro, senha, decifrações, envios. Claques, aceites e declares. Nunca negociou capa rasgada, desabafou. Riscadas, manchadas ou com qualquer sinal de deterioração, inseto, feijão, marcas de cupins, traças, etc. Bem normal para o padrão “usado” e diferente do “papel em flor”. Gibis que tenham absorvido umidade podiam ser detectados pelo olhar poderoso da lente e eles nunca aceitavam. Nunca venderei minha coleção. E o pranto rolou. - Dr. Ramiro solicitou água mineral sequer lhe oferecendo uma gota. - Relembrou aquela nota consoladora numa das páginas que havia visitado: “Nos casos de gibis muito antigos, o amarelamento do papel é natural e neste caso a revista é aceita”. Existe tolerância maior no caso de gibi extremamente raro. - Com orelhas? - Sim, aceitariam. - Com feijão seco? - Aceitariam. São clientes colecionadores e a exigência com relação ao estado de conservação é elevada, mas a pérola pode ser encontrada na lama. Em caso de reclamação que enviasse etiqueta para devolução. - E se o maior grupo de heróis chegasse aos frangalhos ao consumidor? Seria o fim. - Dr. Ramiro. ouviu a pior declaração possível de um ego civilizado. Após tantos anos de tratamento descobriu que o seu paciente sequer portava o nome de pessoa física e era sem CPF. Ser que passeava pelo universo virtual procurando abrigo e alimento pela tecnologia insólita. Simbolicamente o meio ocupava a diversificação da peculiar fuga geográfica pela semiótica. Um mundo de portas que se abriam e fechavam para passar a vida se abrindo e se fechando. Um usuário da ilusão procurando na gaveta um tesouro. Era forçoso investigar a luz da ciência o início das luzes recuperadas e finas do útero nessa tecnologia da imagem. O desafio do espaço, quando a primeira reação da amplitude é decifrada pelas mãos. - Tais explicações o levaram para longe da crise momentânea. - Havia uma solução enriquecedora. - No balcão seria fácil avaliar o estado do Flash Gordon. Quanto ao exemplar sobre o filho do Cheyenne, citado com rasgão não havia escapatória. Na contracapa do X-men por exemplar aprendizado do “self” estava rabiscado em cores diferentes “Edu” e assinado sem acento. Milhares de Edús deviam garatujar nomes próprios em gibis e até Jorge, seu paciente, rabiscava o nome do alto e exibia o dele em baixo. Dr. Ramiro lhe confiou certa vez um exemplar de Freud recebendo de volta o livro novinho com assinatura e dedicatória: Para Dr. Ramiro com gratidão! Ponto Jorge. Sem contar o e-mail extenso sobre o conflito do Vingador numa de suas tardes ácidas de tédio. Tudo em tom de história verdadeira. A confissão de homem sem cadastro ganhou tom bombástico e alarmante. Estava diante de um conflito interno detectado. Uma auto-afirmação tardia da própria identidade.Neste dia o Dr. Raimundo Ramiro temeu que o paciente entrasse Pernalonga e saísse totalmente Batman. TR.