Assassinato ao meio dia

O calor me evapora. Sinto as partículas do meu corpo flutuarem para além do céu sem nuvens. O asfalto quente, os carros enfileirados, parados e pondo-se a buzinar. Algo atrapalha o tráfego a metros de mim. A falta de vento e meu veículo sem ar-condicionado me fazem sentir como se uma tocha queimasse meus órgãos internos.

Um rapaz atordoado vem na contramão, guiando uma bicicleta e implorando por um celular para que ele pudesse ligar para o 192. O motivo do congestionamento era um jovem pedestre estirado entre as duas vias do principal corredor da cidade. De imediato me veio a mente: Ninguém deveria morrer exposto ao Sol do meio dia. Especialmente, de hemorragia, vendo seu próprio sangue borbulhando fora do seu corpo. É demasiadamente desumano. A morte deveria trabalhar somente a noite.

Ao saber do ocorrido, não por curiosidade, mas tentando ajudar, corro em direção ao moribundo, portando meu celular que já chamava a ambulância. Pessoas que estavam mais próximas na hora, disseram, para meu maior espanto, que não fora um acidente. Foi uma tentativa de homicídio. Pasmei por alguns segundos, pois não conseguia discernir até que ponto a falta de segurança levava a população a mais completa entrega ao crime.

O rapaz tinha em torno de vinte anos e sangrava por um ferimento no abdome que encharcava e tingia a avenida de vermelho. Ouvi vozes dizerem que uma moto preta, com um adesivo cobrindo a placa, pilotada pelo assassino disfarçado por seu capacete de fumê preto, disparou contra a cabeça da vítima, sem sucesso, e atingiu a barriga, em um segundo disparo.

Disseram alguns que fora acerto de contas. Tese essa refutada pelos gritos de desespero da mulher que assistia ao vivo seu estado civil mudar de casada para viúva. A tentativa se concretizava em homicídio. Mas o moço era trabalhador e pai de família. Estava aproveitando o intervalo de almoço para comprar o leite das crianças na farmácia e fora confundido com um traficante da favela ao lado.

Mil pensamentos me ocorreram nesse instante. Muitos sentimentos aceleraram meu coração: ódio ao tráfico, ódio aos usuários de drogas; desespero, pânico, incerteza, medo de morrer por engano de quem acha que tem o direito de tirar vidas para honrar dívidas. Asco, repugnância, desprezo, pela dessemelhança assassina, pela banalidade cruel que ceifa a existência dos inocentes. Mas eu, de mãos atadas, não pude fazer nada a não ser viver um dia após o outro, sem saber até que ponto permaneceria viva nessa roleta russa.

E eu que não creio, pedi para aquela mãe de família ter força e fé, diante de tanto sofrimento.

Stephany Eloy
Enviado por Stephany Eloy em 16/11/2012
Reeditado em 17/11/2012
Código do texto: T3989697
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.