Cinquenta anos de bar

Nelson do Bar comemora 50 anos do seu estabelecimento. Meio século atrás do balcão, servindo birita e traíra no centro da cidadezinha de Mari. O bar de Nelson faz parte das sete desmaravilhas do mundo, talvez a cozinha mais higienicamente insustentável do globo terrestre. Na história do alcoolismo humano, nunca jamais em tempo algum se viu um bar tão democrático, marafoneiro, desregrado, intemperante, inabstêmio, sibarítico e inelegante.

Usando esses termos arcaicos para não me fazer entender pelo próprio Nelson, homem de poucas letras e muitas históricas de convívio com a melhor e mais sincera parte da humanidade que são os pinguços. A soberania popular passa pelo bar, mas antes de sair manda anotar o fiado. A pacificação do mundo deveria ter um bar como ponto central. A ONU funcionaria melhor em um bar “pé sujo”. No bar é onde se aviva a sensibilidade do ser humano.

Ontem, fui no bar de Nelson para uma cerveja e breve papo com os bebinhos sobreviventes. Não poderia deixar de bater o ponto para marcar os 50 anos do bar onde fui freguês durante doze anos. Há mais de dez anos fora de Mari, fui conferir a lista dos “pés inchados”, quase ninguém disse “presente”. Morreu Biu Apaga Luz e tantos outros guerreiros. Dos que sobraram, uns viraram crentes como o irmão de “Apaga Luz”, outros cederam aos apelos da abstinência e deixaram de molhar a palavra, feito meu compadre Neneu Batista. Quem hoje pontifica como digno representante dos caneiros do bar de Nelson é o nosso Parafuso, além de Toinho de Nem. Não encontrei meu compadre Tadeu “Penca Preta”, mas soube que o baixinho continua na guerrilha alcoólica, nesta cruzada inglória do bêbado contra a vulgaridade e modéstia de sua vida. A gente bebe para se sentir sedutor, próspero, deleitoso e agradável, otimista e expansivo. O alcoolismo não tem graça nenhuma, mas bem que serve para exorcizar nossos piores pesadelos.

Para lembrar conversa de botequim, vou deitar filosofia barata: cada homem esconde a sua vida autêntica e mais interessante por trás da mediocridade e da mentira de sua vida aparente. Cada um de nós tem seu mistério individual. Por trás do balcão do seu acanhado bar, Nelson não diz nem ninguém adivinha, mas ali está um cara cordial, afetivo e respeitoso, um homem inteligente por trás do rosto fechado. Tolerante até certo ponto. Há séculos, estava eu e uns três ou quatro sujeitos abusados tomando cana no bar de Nelson, quando bateram as doze pancadas da meia-noite. O dono do bar jogou o molho de chaves na nossa mesa:

--- Quando vocês acabarem a farra, fechem esta porra e joguem a chave no meu quintal que eu vou é dormir! E tome no cu quem achar ruim!

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 15/11/2012
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