Ao alcance do Sol.

Era verão, os dias eram claros por mais tempo eu achava isso ótimo, pois me possibilitava estar mais perto de mim mesmo, as aulas de filosofia por muitas vezes era um saco, mas freqüentava só por causa dela, sim aquela garota tinha a verdade nos olhos. Nunca vou me esquecer do primeiro encontro pelos corredores do colégio me perdi naqueles olhos negros e fundos como o oceano e naqueles lábios perfeitos, eu só sabia seu nome por causa da lista de presença, pois acredito que ela ainda nem me notou.

A gente fantasia muito rabisca a última folha do caderno faz juras eternas em árvores, sonha acordado durante as aulas e até perde a chamada e no fundo tudo vale à pena, cada segundo perdido em uma realidade compensa a outra. Poder sonhar é um dom, talvez não só do ser humano, porém no ser humano o sonho ganha um sentido verbal, sentimental que muitas vezes está ao alcance dos olhos, a gente transforma sentimento em palavra, melodia, som.

Aquela garota representava mais do que apenas 17 primaveras, ela era todo o contexto e enredo dos meus dias sem dormir, motivo da minha vaidade e das poesias que escrevia pelos cantos dos cadernos. Ficava horas planejando mentalmente qual seria a melhor forma de chegar perto o suficiente pra poder sentir o perfume dela, me apresentar, será que ela ia gostar? O que eu deveria falar? Será que deveria ser engraçado ou maduro pra causar boa impressão? Caramba era tanta coisa que eu às vezes me sentia um idiota sem chance alguma.

Mas destino é destino né? Os dias foram passando, meses, o primeiro trimestre passou voando e eu pouco tinha falado com ela, disse apenas alguns oi’s tímidos pelos corredores da escola, uma troca boba de olhares nas trocas de sala, e as aulas infernais de filosofia que eu suportava somente pra poder estar por perto. Por certo tempo até desencanei e achei que seria melhor acalmar meu coração e que aquela paixãozinha de verão passou feito à própria estação, me rendera bons momentos, várias poesias e folhas de cadernos rabiscadas.

Certo dia por uma força maior e inexplicável eu distraído com meu fone de ouvido e o caderno debaixo do braço esbaforido tropecei nos pés da linda moça, e tudo que eu mentalmente havia ensaiado para um primeiro e verdadeiro diálogo naquele instante fugiu para plutão, e o que me restou foi um sorriso sem graça e um pedido de desculpa que saiu mais cortado que rádio fora de estação. Às vezes não sabia se minha timidez era problema ou solução, mas naquele instante foi minha salvação, ela se aproximou e meu coração já ia saltando pela boca quando meu lado racional pediu para ele dar um tempo. Eu não precisava de mais nada para ser feliz, aquele sorriso era um oceano onde eu poderia me perder tranquilamente, já andava perdido mesmo com as aulas de filosofia (risos internos), aquele cabelo cacheado, a sensação temporal era diferente, eu podia ouvir os pássaros, as pessoas mastigando o lanche na cantina, o vento que batia leve e acariciava nossas almas. Sentia o calor daquele corpo e o balanço daquele quadril apoiado sobre pernas firmes fazia com que eu me desmanchasse em possibilidades, ela me estendeu as mãos e disse meu nome, meu ser se desprendeu por inteiro e em questão de segundos quando segurei em sua mão um filme passou pela minha cabeça! Eu já não estava mais no pátio da escola e sim em um castelo antigo, era uma outra época e eu devia ter em torno de uns 20 anos e martelava espadas em um canto reservado da propriedade, eu era o simples ferreiro. Uma moça de feições delicadas e um cabelo curto passava enquanto eu apenas terminava uma bela espada, ela andava cercada por duas mulheres que pareciam suas empregadas, timidamente me olhava sem dar bandeira, aparentemente não pertencíamos a mesma classe e sob um controle monárquico não há meio termo, existem os Reis e Senhores e existe os Serviçais (nada tão diferente do capitalismo né? Mais risos).

Uma de suas empregadas então se aproxima e me entrega um bilhete, antes de abri-lo olho para a dama de cabelos curtos que sorri e desvia o olhar, aquele sorriso! Eu poderia reconhece-lo entre milhares de outros! Era ela a menina das minhas poesias de verão da escola! O que fazíamos ali em uma época tão remota? Era tudo tão novo que eu não sabia o que estava acontecendo, por um momento fiquei assustado mas abri o bilhete estava escrito em francês. Inconscientemente eu entendia o que queria dizer aquelas palavras “Vous espérez le soir près du lac”. Ela me esperaria ao anoitecer próximo ao lago, meu coração acelera e minha mente viaja no tempo como que a me mostrar que nesse momento presente e passado se integram.

Agora é noite, estou atrás de uma grande árvore, e vejo aquela linda moça se aproximar do lago e deixar uma rosa a flutuar sob as águas enquanto entoa baixinho um canto que não consigo identificar. Eu me aproximo e ela logo corre para os meus braços se encosta em meu peito e me abraça forte. Diz que me ama e que só viveria um verdadeiro amor ao meu lado, diz que nenhuma riqueza naquele momento a faria feliz de verdade quanto a de poder viver uma grande paixão. Sem entender muito o bem o que estava acontecendo pergunto a ela porque suas palavras soam em tom de desespero. Uma lágrima escorre de seus olhos e ela diz que seu pai o Rei cedeu sua mão ao príncipe Luís II. Eu somente tento consola-la e digo que é o destino, tento argumentar dizendo que nasci para fazer espadas e ela para ser a rainha da França ao lado de seu futuro esposo. Ela apenas me beija, e diz que se não for comigo não será com ninguém e prefere a morte.

A linha do tempo transcorre, de repente já estou em outra cena. Vejo uma enorme correria em um vasto salão repleto de cadeiras postas em semicírculo como se fosse um julgamento. Estou sentado de frente para diversas pessoas que parecem decidir o meu futuro. Na verdade o meu romance às escondidas com a futura rainha foi descoberto e minha vida está nas mãos do Rei. De mãos atadas apenas ouço a massa enfurecida eles pedem a minha cabeça, e me consideram um traidor. A princesa aos prantos apenas acompanha tudo de longe cabisbaixa, sua sentença será viver o resto da vida em um convento e dedicar sua vida a Deus.

No dia seguinte lá estou eu prestes a ser sentenciado, o povo grita, joga legumes, realmente nunca fora fácil lutar por um amor eu literalmente iria perder a cabeça por ela. O carrasco se apossa do machado construído pelas minhas mãos (que coisa não?) se aproxima e pergunta se eu tenho um último desejo, eu apenas fecho meus olhos e desejo que minha alma se encontre com a dela num outro tempo se isso for possível.

De repente ouço uma voz que me chama enquanto balança meu corpo, era ela a moça de olhos negros e cabelos cacheados, ela pergunta se estou bem e eu digo que sim enquanto ela segura minhas mãos meio tímida, apenas me aproximo e a beijo, e ela sussurra em meus ouvidos “ Por que você demorou tanto?”. Nesse momento nossas almas se entrelaçam e viajam no tempo! O mesmo sol que um dia iluminou aquele antigo amor, hoje traz de volta o calor para reascende-lo novamente, nada escapa ao seu destino enquanto estiver ao alcance do Sol.

Kemii Athon
Enviado por Kemii Athon em 14/11/2012
Código do texto: T3985595
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