Homem que é homem não chora


                              Um dia sentei no banco de espera da sala de um hospital e chorei.
                                  A meu ver, o movimento feminista dos anos 60 trouxe a grande vantagem de fazer com que a sociedade repensasse os velhos papéis que desempenhamos na vida. Não só as mulheres começaram a mudar. Elas nos obrigaram a mudar, também. Mas, tanto como foi o movimento feminista, a mudança do homem vem se fazendo de forma lenta e resistida, tendo se iniciado a partir de pequenas elites pensantes e oprimidas. Até porque mudanças somente partem de oprimidos, jamais de opressores.
                             Hoje, duvido que alguém, quer seja homem ou mulher, tenha coragem de repetir aquele velho ditado de que “homem que é homem não chora”, sob pena de ser enquadrado como um “ser retrógrado”.
                               Acredito, no entanto, que apesar da resistência em admitir, essa idéia ainda permanece na crença da maioria das pessoas. Isso ocorre da mesma forma como ocorre com o racismo. Ninguém admite publicamente que é racista, porque ser racista é feio e inadequado para pessoas evoluídas. Mas o racismo existe e de forma extremamente acentuada, sendo facilmente verificável por quem tenha interesse e desprendimento para observar a reação das pessoas diante de fatos e acontecimentos que envolvam algum negro.       
                        A grande maioria das pessoas é “inconscientemente” racista. E o é porque o racismo integra a nossa cultura, faz parte da nossa formação e do nosso aprendizado desde o nascimento. A negação de que fomos criados racistas e mantemos esse sentimento incrustado em nossas crenças, apenas dificulta nossa chance de agirmos de forma não preconceituosa. A inconsciência impede a mudança ou a aceitação de uma verdade diversa da crença primitiva. "Homem que é homem não chora” permaneceu como um dogma na minha vida, até o dia em que, sem saída, aceitei “relativizar” minha condição de macho.
                       Eu acabara de deixar meu filho de dois anos na sala de exames para fazer uma “tomografia computadorizada do cérebro, com contraste”, indicada porque ele teve três convulsões durante episódios de febre.                                               
                      Levei-o até a mesa de exames e ele, ao perceber o que acontecia, agarrou-se firmemente no meu pescoço. Estava traumatizado por duas internações de urgência anteriores, após episódios de convulsão. A simples visão de aventais brancos era suficiente para colocá-lo em pânico.
                 Com o coração arrebentado pela dor, segurei os bracinhos dele e o afastei o suficiente para que a auxiliar colocasse o inalador com anestésico. Os bracinhos afrouxaram e ele perdeu a consciência. Ainda que tenha formação médica, senti as pernas vacilarem e meu corpo se estilhaçar em mil pedaços de dor, como se meu filho tivesse morrido em meus braços. E com a minha conivência!
                      Saí dali, levado pelo resto de adulto que suportara a anestesia que adormeceu meu filho, minha alma, meu passado, meu futuro, tudo o que fui e o que poderia ser. Por três fantasiados séculos chorei na sala de espera, até que me chamassem para ver meu filho vivo outra vez.
                       Antes de novo contato, na angustiante espera, lágrimas expostas, fragilidade de homem que ama, ainda tive de conviver com a crítica acerca de minha “fraqueza” em lidar com a situação. Puta que pariu! Sou gente, sou sentimento, sou afeto, sou medo. Há espaço para a dor e a tristeza em mim. Choro pelo medo de perder meu filho. Igualmente chorarei, minha amiga, pela tua incompreensão da minha dor e pela tua dura crítica às lágrimas que ousei permitir corressem pela minha face naquele momento. Ali estava terminando um relacionamento improvável, como realmente aconteceu.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 14/11/2012
Reeditado em 19/11/2012
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