Personalidade Própria

Estava eu deixando o tempo correr livre, sentada num dos velhos bancos daquela lanchonete de sempre. Vi os carros passando lá fora, pessoas conversando incessantemente, na televisão só imagens entediantes e, ainda mais, em preto e branco. Não é tão fácil divertir-se numa manhã dos anos 80, deveria ter esperado mais uns 20 anos para poder nascer, com certeza a evolução tecnológica banirá todo o tédio que aqui habita.

Até que as coisas não vão tão ruins assim, nem todas as pessoas são realmente estúpidas, a maior parte das vezes a culpa é completamente minha, não sei me relacionar com ninguém. Sair de casa sempre foi um tormento. Talvez por não entrar em nenhum padrão de beleza, por ser um tanto antipática e por ter um gato. É, realmente acho que isso pode influenciar bastante, eles são espertos, seguros de si, inteligentes e independentes, acredito que com um tempo, vamos pegando essas mesmas manias.

Às vezes, acredito que isso é obra do destino. Por eu não ter nascido com beleza, ganhei como recompensa, um pouco de esperteza e uma alegria incomum e totalmente oculta. Quase ninguém a conhece, só meia dúzia de amigos e parentes extremamente próximos. Tenho mais crises existenciais que essas aí de alegria, ora me sinto altamente descartável ora queria que certos seres fossem descartáveis.

Deixar-me só é uma aventura, vou criando e vivendo do jeito que a imaginação gosta e manda. Imagino tanto que às vezes tenho um certo medo de confundir imaginação com realidade, já conheci alguns príncipes encantados que não passavam, na verdade, de sapos, burros, cavalos... Todos em forma humana só para encantar e ir embora, deixando-me com o coração na mão.

Mas apesar dessas desilusões da vida, ela continua. Com seus erros, acertos, birras, proteções ao extremo, amizades inesquecíveis, corações partidos, o amor de mãe, o aconchego que só em abraço de pai a gente encontra, a estranha relação de amor e ódio de irmãos, os segredos confidenciados, os micos pagos, a esperança por um mundo melhor, com todos pedindo por mais amor. A vida segue e, com ele, o tempo que passou voando enquanto eu estava mergulhada – quase me afogando, na verdade – nos meus pensamentos. Só me dei conta quando vi Dona Dolores, a dona da lanchonete, avisando que já era hora de fechar.

Aninha Torres
Enviado por Aninha Torres em 12/11/2012
Código do texto: T3982384
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