BICHO DE ESTIMAÇÃO HETERODOXO.
Por Carlos Sena


 
Gosto de gato e gosto de cachorro. Há quem goste de um em detrimento de outro e assim nossa sociedade tem se dividido quando o quesito é bichinho de estimação. Já criei gato e criei cachorro e, desta forma, posso dizer os dois são encantadores: o gato – estiloso, independente, amante da casa. O cachorro, submisso, amante do seu dono e, por ser mais sociável, posa de melhor amigo do homem. Independente de juízo de valor, pois gosto é como se diz na minha terra é como “C” – cada qual tem o seu. Por isto mesmo tenho os meus gostos e neles há alternativas que me nem sempre eu posso satisfazer. Exemplo disto é a admiração que eu tenho pelo Jabuti, ou o cágado. Na verdade eu nunca pude saber exatamente a diferença entre um e outro. Talvez até nem tenham, mas acho que deva ter. Porque pra mim o Jabuti (ou o cágado) é digno. O que me encanta nele é a sua vida tão internalizada dentro de si mesmo. Penso até que ele deveria ser tido e havido como o bichinho de estimação mais independente. Sua casa anda nas suas costas e quando o mundo lhe provoca medo ele encolhe o rostinho e some dentro de si mesmo. É lento, talvez lerdo. Mas, diferente da preguiça, o cágado anda menos devagar e nos desperta mais prazer. A beleza física dele é quase nenhuma, mas sua beleza interior deve ser gigantesca. A coitada da preguiça é muito fraca de feição e nem sempre desperta em nós o desejo de adoção. O cágado também não. Mas não muito, pois ele chega a nós do seu jeito grosseirão, mas chega. Ela, a preguiça, não. O mundo se acaba e ela nem quer saber se tem mundo, quanto mais se ele vai se acabar. O olhar do cágado é terno (já observaram?). É meio tristonho e, quando ele quer comer uma coisinha que chega perto de quem pode lhe dar, logo vê sua carinha tristinha com aquele olho pretinho sem pestanejar. De fato eu nem sei se ele pestaneja, mas deve fazê-lo, ou não?
Assim, gosto do jabuti e acho que o preconceito dos homens não é só contra seus semelhantes, mas contra os animais que com eles convivem, a exemplo do cágado e da preguiça. Existe nesse contexto um pouco da lógica humana perversa que geralmente acomete alguns casais que se dispõem a adotar uma criança. Só querem se for branca, de olhos azuis e sem nenhum “defeito de fabricação”...  Com os bichos isto parece ser evidente. Adotar um cágado? Uma preguiça? Nem pensar. Parece mesmo que as crianças repetem os valores dos pais e, consciente ou inconscientemente, sempre se encantam com um cachorrinho ou com um gatinho. Vez por outra derivam para um papagaio, para um ratinho branco, mesmo para um passarinho na gaiola.
Como disse, gosto é de cada um. Atualmente, embora gostando de gato e cachorro e jabuti/cágado, não quero criar nenhum deles. Sequer “bicho de pé” eu estou criando agora. Porque todos dão trabalho, embora dando prazer. Prefiro o meu prazer em sobra, porque me dá crédito pra cuidar bem dos gatos e cachorros de rua. Isto porque não vejo cágado/jabuti perdidos nas ruas em busca de quem os adote.